Zaragoza, capital do Reino de Aragão, ano da graça de Nosso Senhor de 1250, aos auspícios de Sua Alteza Real, Don Jaime I, el Conquistador, por volta de três da tarde.
Ante a visita especial do Grande Inquisidor Tomás de Torquemada, vindo duzentos anos do futuro especialmente para aquela cerimônia, transcorria pelas ruas centrais da cidade o cortejo de um Auto de Fé: à frente iam os penitentes, auto-flagelantes, implorando clemência pelos tenebrosos pecados que lhes disseram que cometeram; logo atrás seguiam os padres e bispos de Zaragoza entoando piedosamente o Kyrie; ao meio estava o Grande Inquisidor, impassível, inescrutável, carregado em sua liteira de brocados e púrpuras de Tiro; e fechando o cortejo estava o prisioneiro, o herege, o sumo-heresiarca, o acusado de lesa-majestade divina.
O cortejo espalhou-se pela praça central da cidade e todos os atores tomaram suas posições. Torquemada, absorto que estava em meio a pensamentos vários sobre sua alcunha de Lenda Negra, só deu-se conta do absoluto silêncio que se instaurara minutos depois.
— Tragam o herege. — Ordenou, impassível.
O herege, um homem de seus sessenta anos, cabelos brancos, barba em “V” também branca, estava vestido de mago.
— Como hai nome? — Perguntou Torquemada ao herege, impenetrável.
— Paulo Coelho.
— Paulo Coelho, és acusado de lesar a majestade divida com teus livros e idéias ridículas e sem o menor fundamento. És acusado de lesar a inteligência de teus leitores com tua auto-ajuda de quinta categoria. És acusado de lesar a gramática da língua portuguesa com teus erros grosseiros e períodos mal e porcamente estruturados. És acusado de falsidade ideológica ao declarardes publicamente ser um mago. Por tudo isso estás condenado a padecer pelo fogo que a tudo purifica, juntamente de teus escritos eivados de enganações e sandices.
Ao final do pronunciamento do Grande Inquisidor, os guardas reais empilharam milhões de livros no centro da praça e, no topo da pilha, colocaram o herege, autor de todos eles, amarrado a uma estaca de madeira.
O povo estava ensandecido, gritando em coro e a plenos pulmões “Falsário! Plagiador! 171! Produto de ghost-writer!”.
Óleo foi espalhado em abundância por toda a pilha e, do alto do palanque onde estava, o próprio Torquemada fez questão de atirar a tocha que acendeu a fogueira.
O fogo espalhou-se por tudo em instantes, como se sedento em tornar cinzas toda aquela escória asquerosa. Ele incinerou autor e obra, livrando a face da Terra daquela chaga execrável.
* * *
Infelizmente, a cena descrita acima é fictícia. A Inquisição Espanhola queimou milhares de pessoas, mas todas as pessoas erradas. Os pouquíssimos que, de fato, mereciam ser queimados — padres, bispos, papas, reis — não o foram e o Tribunal do Santo Ofício virou Congregação para a Doutrina da Fé em 1965, quando Paulo Coelho completou 18 anos e ainda não tinha escrito nenhum de seus rabiscos.
Sim, eu ODEIO Paulo Coelho. Na verdade, eu EXECRO Paulo Coelho e todo aquele desperdício de papel que ele, seus editores e seus leitores insistem em chamar de “obra”. Chamar qualquer livro de Paulo Coelho de “obra” é uma ofensa, uma imprecação lançada contra a Literatura, seja ela erudita ou pop.
Meus amigos, parentes e alunos, desavisados ou simplesmente para me provocar, perguntam o porquê: por que você odeia tanto Paulo Coelho? O que ele fez ou deixou de fazer? Você já leu algum texto dele para dizer o que diz? Será que ele é mesmo tão ruim assim?
Chegou o momento de responder definitivamente a essas perguntas.
Por que você odeia Paulo Coelho?
Uma resposta do tipo “porque sim” seria o suficiente, mas... bem... OK... vamos lá. ODEIO Paulo Coelho porque ele é um falsário e um plagiador que se utiliza da escrita para disseminar enganações. Pior do que isso, os textos que ele “escreve” são construídos a partir de um recorte e colagem de outras obras e autores editados de forma distorcida para que se constituam no que se pode genericamente chamar de “auto-ajuda”, que de fato é auto-ajuda mesmo, mas não para o público e sim para o próprio Paulo Coelho.
Paulo Coelho, portanto, é um “escritor” que age de má-fé com seu público; que se apropria de idéias e palavras alheias e as vende como se fossem suas; que sequer se preocupa com a correção da linguagem dos textos, o mínimo que um escritor sério tem por obrigação fazer; que vende mentiras para um público que, ao que tudo indica, quer deliberadamente comprar essas mentiras e, o que é mais absurdo, nelas acredita.
Sem dúvida isso é um terrível reflexo de que há algo errado com nossa sociedade e com os seres humanos, o que é fato: o sujeito está fragmentado, sua identidade se perdeu em meio a milhares de referências indistintas, sem propósito ou causa, sem começo ou fim; a esperança em qualquer coisa se desintegra a cada dia; nós estamos perdidos em meio ao que nós mesmos criamos; o mundo perdeu seus sentidos, sua estabilidade, suas certezas — certamente porque essas coisas nunca existiram — e nós estamos sem rumo. Por isso, qualquer coisa que ofereça algum tipo de resposta, alguma possibilidade mais clara de caminho a seguir, alguma explicação para esse sentimento de dispersão e de eterna sensação de um presente contínuo de repetições é imediatamente tomada como um guia, como um profeta, um Messias que restabelece nossa unidade perdida e aponta os caminhos que não somos capazes de trilhar por nós mesmos à nossa própria sorte.
Evidente que algo desse tipo está tornando mercadoria a fé alheia simplesmente porque respostas sólidas, caminhos claros e precisos, explicações, guias, profetas, Messias, sentidos (pré)estabelecidos, verdades, esperanças, certezas, tudo o que o ser humano construiu como objetivo, racional e sólido para explicar sua existência e, principalmente, para ser e viver nessa mesma existência não existe mais desde a década de 1950, e foi destruído pelo próprio ser humano que o construiu porque, como reza o 15º Mandamento escrito por São Marx, “Tudo que é sólido desmancha no ar”, e como bem ensina o Oráculo de Matrix, “Tudo que tem um começo, tem um fim”. O fim da humanidade e da sociedade como a conhecemos já se iniciou há sessenta anos e eu diria que falta relativamente pouco para que esse fim se concretize como tal.
Isso é a condição pós-moderna, minha gente. Isso é o que nós fizemos conosco mesmos e com o mundo que nos rodeia. Isso é o nosso legado aos nossos filhos, netos, sobrinhos, alunos.
Sim, parece desesperador. Sim, parece apocalíptico (2012 esta aí! RSRSRS). Mas nós não devemos nos esquecer que o fim é a condição inexorável do começo, e que é preciso que as coisas voltem ao pó para que encontrem um novo início, um novo modo de ser. Há, portanto, sempre algo de positivo no Apocalipse: a renovação. E entre o Apocalipse e o novo começo, o pós-Apocalipse, há um momento indistinto, nebuloso, disforme, em que tudo parece ser nada e nada parecer ser tudo.
É justamente esse momento que estamos vivenciando e Paulo Coelho, ciente disso — lembremos que era ele quem compunha as letras das músicas de Raul Seixas... —, transformou em mercadoria esse momento, em mercadoria que vende e, por isso, dá lucro e enriquece. Mercantilizar é o paradigma da nossa época.
Inteligente ele? Sim, sem dúvida. Burros os seus leitores? Alguns com certeza, mas a maioria é vítima da situação e, como tal, digna muito mais de nossa pena do que de nosso julgamento.
O que Paulo Coelho fez ou deixou de fazer?
Bem... dizem as lendas que ele “escreve”, o que eu não acredito em absoluto, e isso já é suficiente para tirar o sono de qualquer um. A tiragem mínima de um livro de Paulo Coelho publicado no Brasil está em torno de 300 mil exemplares segundo as últimas estatísticas a que tive acesso, algo surreal para um mercado editorial deficitário como o do nosso país. Isso significa que pelo menos 300 mil pessoas vão comprar livros do “mago”, e é irrelevante se essas pessoas vão ou não de fato ler esses livros.
E quanto ao que Paulo Coelho deixou de fazer? É certo que há muito ele deixou de escrever seus próprios livros, tendo possivelmente contratado ghost-writers para fazê-lo sob sua “supervisão” (ou nem isso, visto que Paulo Coelho de fato não sabe escrever e eu não duvidaria que os ghost-writers são os verdadeiros escritores de TODAS as suas “obras”). Afinal, como ele poderia aproveitar toda a riqueza que adquiriu se tivesse que continuar a despender o longo tempo necessário para a escrita de um livro?
Óbvio que isso é teoria da conspiração, neh meu povo?, e, como tal, é evidente que eu não tenho como e nem quero provar nada. Mas, isso talvez seja a única explicação para que alguém, em sã consciência e sendo um pretenso “escritor”, tenha permitido que suas “obras” sejam totalmente repletas de erros grosseiros de linguagem, de recortes e colagens despropositais e de uma espiritualidade de almanaque. Convenhamos: João Bidu é melhor e mais digno do que Paulo Coelho, pois pelo menos ele não tenta ser aquilo que ele não é capaz de ser...
Você já leu algum texto de Paulo Coelho para dizer o que diz?
Normalmente, eu respondo a essa pergunta citando o crítico Davi Arrigucci Júnior em um artigo que ele escreveu para uma edição da Revista Cult dedicada a Paulo Coelho: “não li e não gostei”. É claro que uma resposta dessas tem a intenção de chocar, de provocar o ouvinte/leitor e de expressar algo que de fato eu gostaria de ter feito, ou seja, não ter lido Paulo Coelho e permanecer não gostando dele.
Contudo, isso não é verdadeiro.
Eu, infelizmente, tenho que admitir: sim, eu já li Paulo Coelho.
OOOOOOOOOOOOHHHHHHHHHHHH!!!
[silêncio constrangedor na platéia]
Vanberto: — PUTA QUE PARIU!
Cher: — Eu sabia! Eu tinha certeza!
Vívien: — Ninguém é perfeito... mas também não precisava ser tão imperfeito assim!
Diógenes: [mudo e pálido, A Divina Comédia cai estrondosamente de suas mãos]
Juliana: — Ai... se mata, Cido.
Rejane: — Não vou falar nada.
Rogério: — Prefiro não comentar...
Fernando: — Até você, Cidinho?!
Kenneth: [chora e não quer vir mais no meu colo]
Em eras há muito passadas e esquecidas, anteriores à Pré-História, quando a Internet ainda era uma lenda e tudo que existia das esquisitices de Lady Gaga eram os originais por ela copiados desbragadamente, ou seja, Elton John e Madonna, eu era um estudante cursando o segundo ano do Ensino Médio.
Foi quando eu conheci uma amiga que há muito não vejo. Seu nome é Ana e, na época, ela era uma respeitável senhora já casada, com filhos e com uma vida estruturada.
Nós voltávamos juntos da escola todas as noites e Ana era a penúltima de nós a chegar em casa (eu era o último). Um dia, depois de virmos conversando sobre Paulo Coelho durante todo o caminho, paramos eu e Ana em frente à casa dela e ela, em toda a sua bondade, insistiu que eu levasse para casa uma edição então recém-lançada de “O Alquimista” em quadrinhos.
Ana era uma fã de Paulo Coelho. E sim, até quadrinhos existem da “obra” do “mago”.
Assumo sem a menor vergonha: tudo que eu li de Paulo Coelho, em toda a minha vida, é uma edição em quadrinhos de “O Alquimista”, e eu garanto que foi mais do que o suficiente e que me basta para o resto desta encarnação.
Enfim, eu li o máximo que um leitor amante da boa leitura, amante dos clássicos e dos pós-modernos (eu não gosto dos modernos...), consegue ler de Paulo Coelho, logo eu posso sim dizer o que digo sobre aquilo que ele “escreve” (rsrsrs).
Será que ele é mesmo tão ruim assim?
Não. Paulo Coelho não é ruim. Paulo Coelho é PÉSSIMO! É um LIXO! É uma CATÁSTROFE SEM PRECEDENTES!
E isso encontra bases sólidas entre especialistas diversos.
Em 2007 foi publicado um livro por Eloésio Paulo, doutor em Letras pela UNICAMP e professor da Universidade Federal de Alfenas (MG), intitulado Os 10 Pecados de Paulo Coelho (Vinhedo, SP: Editora Horizonte – http://www.editorahorizonte.com.br/MaisProduto.asp?Produto=115).
Eu fico imaginando o sofrimento do crítico para escrever esse livro... deve ter sido uma tortura sem precedentes... tanto que, quando à época do lançamento, em conversa com Eliane Oliveira, a dona da Horizonte, esta me disse que estava difícil pra ele terminar.
Nada mais compreensível, neh minha gente! Um especialista em Literatura, quando se debruça sobre alguma coisa, precisa ler tudo a respeito. Imaginem, por um breve instante, ter que ler TUDO que Paulo Coelho “escreveu”. Só de pensar me dá calafrios. Eu preferiria a eternidade em Giudecca, no Inferno de Dante, a ter que fazer uma coisa dessas.
Por isso, gostaria de deixar aqui expressos a Eloésio Paulo meus mais sinceros agradecimentos e minha mais profunda admiração pelo seu trabalho heróico. Obrigado, Eloésio, por ter poupado a todos nós de ter que ler Paulo Coelho para saber algo a respeito.
Eis os 10 pecados que o crítico aponta:
1) IGNORÂNCIA
A ignorância é uma afinidade eletiva entre Paulo Coelho e seu típico leitor. A manifestação mais grave desse pecado nem são os erros gramaticais [...]. O mais grave é a ignorância da tradição literária, uma vez que se passou a reivindicar para a obra de P.C. o status de prosa de ficção (PAULO, 2007, p. 40).
2) DESLEIXO
Por desleixo, entenda-se simplesmente isto: o produto é mal acabado. E se aqui não se apontam muitas ocorrências mais que evidenciam esse desleixo é porque ele é transversal aos outros pecados: manifesta-se no descuido com a linguagem, mas também nos tropeços lógicos e nas imperícias narrativas (PAULO, 2007, p. 55).
3) SUPERFICIALIDADE
A profissão de fé de Paulo Coelho na simplicidade pode enganar os pobres de espírito, que não sabem a diferença entre o simples e o simplório. [...]. Se não à primeira vista, a reiteração abusiva das três ou quatro idéias que subjazem a sua religiosidade de almanaque deveria mostrar o quanto elas são gratuitas, superficiais. Tudo começa pela pretensão de generalizar: o mergulho na “alma do mundo” está ao alcance de todos, o caminho da magia é o caminho das “pessoas comuns”. O que mais? “A face do seu anjo está sempre visível quando você vê o mundo com os olhos belos”, e “Qualquer coisa pode levar à sabedoria suprema, desde que feita com amor no coração”. Tudo, todos, sempre; essa generalidade democrática das coisas do espírito é certamente um dos segredos do sucesso do autor. Afinal, em um mundo onde os bens palpáveis são acessíveis à minoria, prometer o Reino dos Céus a granel nunca deixará de ser um bom negócio (PAULO, 2007, p. 61 – 62 – grifo do autor).
4) INCONSISTÊNCIA
A falta de embasamento para o que diz, sobretudo quando consideramos a pretensão sapiencial de seus livros, é uma característica constante dos escritos de P.C. Não se trata, é claro, de negar que o escritor tenha sempre buscado uma síntese do que considera a sabedoria; mas a realidade é que essa busca, quando se materializa em cenas, falas e digressões, resulta muitas vezes num composto meio aleatório de idéias meio aleatórias, sem qualquer compromisso verdadeiro com as fontes — a ponto de carnavalizá-las e malversá-las sem cerimônia — nem o mínimo rigor com o significado do que é dito (PAULO, 2007, p. 74).
5) GRATUIDADE
Assim como não tem compromisso com as fontes em que se baseia ou com o sentido exato do que escreve, Paulo Coelho não costuma pesar a real importância das informações que veicula, das falas de suas personagens e de certos episódios inseridos em seus relatos. Às vezes, parece escrever como se fizesse uso de uma espécie de piloto automático; em outras ocasiões, dá a nítida impressão de estar, como se diz, enchendo lingüiça, tal a desnecessidade de certos elementos na economia do enredo (PAULO, 2007, p. 83).
6) IMPERÍCIA NARRATIVA
As grandes obras de ficção costumam ser amplamente reveladoras de algum aspecto da condição humana ou das condições de vida em um lugar ou uma época. Algumas também conseguiram, principalmente no século XX, inovar a linguagem ou a técnica narrativa. Paulo Coelho, apesar de certa vez ter-se qualificado como "escritor de vanguarda" está longe de preencher qualquer desses requisitos. [...].As tramas do autor, quase sempre contemporâneas ao momento da escrita e sustentadas por estruturas narrativas lineares que ocasionalmente são perturbadas por pequenos saltos ou cortes temporais, nada trazem de novidade. Pelo contrário, mostram um desenvolvimento primário de técnicas consagradas pela ficção romântica. O estilo, preso à função referencial, quando dela procura afastar-se acaba em truísmos pseudopoéticos (PAULO, 2007, p. 90).
7) INCOERÊNCIA
Há uma “falta de compromisso de Paulo Coelho com a lógica. Essa característica, longe de justificar a apologia da ignorância que o escrito costuma fazer em nome dos privilégios espirituais da simplicidade, no entanto a explica. De fato, não se poderia esperar outra atitude de quem passa ao largo de qualquer noção de rigor, seja na linguagem, seja nas idéias, seja na construção da narrativa. Ressalvado mais uma vez que seu estilo às vezes progrediu de livro para livro, não se pode deixar de observar que o patamar atingido, mesmo que seja suficiente para manter seu prestígio mercadológico e até tenha contribuído para que muitos leitores profissionais fechassem os olhos às insuficiências do escritor, é ainda pífio se considerado à luz da tradição ficcional brasileira” (PAULO, 2007, p. 103).
8) REPETIÇÃO
Existem escritores que passam a vida reescrevendo o mesmo livro. Às vezes, conseguem melhorá-lo tanto que acabam produzindo uma obra-prima. Pelas razões mencionadas anteriormente, esse provavelmente não será o caso de Paulo Coelho. Em sua obra, a repetição de temas, situações, idéias e personagens é algo mais que obsessão; é um sinal inequívoco de limitação de repertório. O universo vive conspirando a favor dos sonhadores, os corações vivem conversando com as personagens — parece que a principal referência das variações é O alquimista, e que elas significam principalmente tentativas de reeditar a afortunada recepção desse "conto de fadas para adultos" (PAULO, 2007, p. 109).
9) DISTORÇÃO
A inabilidade para usar as referências dá lugar, em diversas passagens da obra paulocoelhana, à pura e simples malversação das fontes. Aquela emoção expressa pelas lágrimas do narrador ao pôs os pés no caminho de Santiago, penhor aparente da sinceridade do escritor/personagem, vai-se apagando pela banalização dos sentimentos ao longo das narrativas seguintes e, principalmente, pela visível contradição entre a espiritualidade de que parte o projeto de Paulo Coelho e o oportunismo do "aggiornamento" a que é submetida sempre que necessário para atrair o leitor comprometido com o modo de vida do capitalismo tardio, leia-se a imitação, em quase todos os aspectos, do modo de vida americano, em tudo oposto a qualquer transcendência ou sabedoria oculta. É assim que, a meio caminho desse percurso, o leitor atento — especialmente aquele minimamente versado em cultura bíblica — já terá percebido a malversação das revelações místicas feita sistematicamente pelo escritor (PAULO, 2007, p. 121 – 122).
10) AUTO-ELOGIO
Desde o primeiro livro, Paulo Coelho revela um pendor irresistível para a autobiografia. Mesmo que sua narrativa tenha evoluído em direção à pura ficção, fica sempre no meio do caminho. Não, talvez, devido à incapacidade do escritor para inventar — ou reciclar — histórias. Mas, principalmente, por causa de sua necessidade (estamos no campo das mais elementares motivações psicológicas da literatura) de contar e recontar sua vida. Tal necessidade se reflete na constância com que o autor emprega, ao longo de seus escritos, auto-referências que afinal desembocam no puro e simples auto-elogio (PAULO, 2007, p. 132).
Por fim, depois de apresentar os 10 pecados de Paulo Coelho, Eloésio Paulo ainda conclui com aquela que é, na minha modesta opinião, a última palavra, a definição máxima da “obra” paulocoelhana: “Uma das maneiras mais exatas de definir sua obra é justamente: turismo espiritual” (2007, p. 138).
Eu também adoro o último parágrafo do estudo, que diz o seguinte:
Fernando Pessoa foi um dos maiores entendidos em ocultismo na sua época e isso o levou a corresponder-se com Aleister Crowley, o “bruxo” invocado como um dos patronos da aventura espiritual paulocoelhana. Indagada certa vez sobre a seriedade do conhecimento de Crowley, de cujo sumiço encenado numa caverna de Portugal o poeta acabou participando — ao que se sabe, involuntariamente —, Pessoa respondeu que duvidava da possibilidade de alguém dominar os poderes do Mal sem nem mesmo conseguir manejar competentemente a gramática da língua inglesa. O senso comum ensina que a do português é bem mais difícil (PAULO, 2007, p. 143).
Bem... respondidas as perguntas que todos me fazem sobre Paulo Coelho, vamos por um momento pensar que se queira ainda insistir no assunto. Vamos supor que alguém, insatisfeito com minhas respostas e com minha argumentação, queira fazer ainda outras perguntas.
Existe a possibilidade de você mudar sua opinião, Cido?, perguntaria alguém que tenha chegado até aqui e que tenha sentido certa alacridade ou mesmo certo ar de arroubo irrefletido de minha parte, ou mesmo alguém que goste de Paulo Coelho...
A resposta é invariavelmente, inquestionavelmente e imutavelmente NÃO.
Não seria essa sua atitude uma forma de preconceito?, continua a pessoa.
Sem dúvida que sim. Mas toda forma de discurso crítico é, invariavelmente, uma forma de preconceito, ou não seria um discurso crítico.
Eu assumo esse meu “preconceito”, então, e peço perdão àqueles que, de alguma maneira, se sintam vítimas dele.
Esse pedido de perdão NÃO se estende a Paulo Coelho, é claro, a quem eu só teria duas coisas a dizer: seus livros são um lixo e sua “obra” está fadada ao recôncavo mais profundo do Limbo do Esquecimento.
E se — insiste a pessoa — o tempo, o Cânone ou algo desse tipo revelar que Paulo Coelho é um grande escritor, ou mesmo torná-lo um escritor canônico da Literatura Brasileira: seu julgamento enquanto leitor e crítico não deporia, então, contra você?
Bem... o tempo não existe, pois é um desdobramento do espaço. O Cânone é uma convenção sócio-cultural, logo é arbitrário e, por isso, de modo algum confiável. O Cânone e nada são a mesma coisa.
Se Paulo Coelho tornar-se um escritor canônico, por isso respeitável, da Literatura Brasileira — o que é uma possibilidade que eu não descarto em absoluto, visto que ele já faz parte da ignominiosa Academia Brasileira de Letras, que tem em suas fileiras Alfredo Bosi, um dos bastiões da crítica e teoria literárias do país —, então eu só tenho a lamentar pela literatura do meu próprio país e a tomar esse fato como um vaticínio de que eu estava certo em ter escolhido amar e me especializar nas Literaturas de Língua Inglesa.
Se isso um dia acontecer eu renego a Literatura Brasileira de minha vida e minha paixão por Machado de Assis, Guimarães Rosa e Clarice Lispector ficará profundamente abalada a ponto de ser questionada, talvez mesmo — que Homero me livre disso — para sempre comprometida.