2014 é um ano de muitas comemorações para as literaturas de língua inglesa:
±1330 anos da morte de Cædmon;
450 anos do nascimento de William Shakespeare e de
Christopher Marlowe;
340 anos da morte de John Milton;
325 anos do nascimento de Samuel Richardson;
265 anos da publicação de Tom Jones, de Henry Fielding;
260 anos da morte de Henry Fielding;
250 anos da publicação de O castelo de Otranto, de Horace Walpole, e do nascimento de Ann
Radcliffe;
220 anos da publicação de The Mysteries of Udolpho, de Ann Radcliffe, e de Songs of Experience, de William Blake;
210 anos do nascimento e 150 anos da morte de Nathaniel
Hawthorne;
175 anos da publicação de A queda da casa de Usher, William
Wilson e Tales of the Grotesque and
Arabesque, de Edgar Allan Poe, e de Oliver
Twist, de Charles Dickens;
165 anos da morte de Edgar Allan Poe;
120 anos da publicação de Bayou Folk, de Kate Chopin;
110 anos da morte de Kate Chopin;
100 anos da publicação de Dublinenses, de James Joyce;
60 anos da publicação dos dois primeiros volumes de O Senhor dos Anéis (A Sociedade do Anel e As Duas Torres), de J. R. R. Tolkien.
Como professor de literatura inglesa, amante incondicional
da língua inglesa e das culturas anglo-americanas, eu não poderia deixar de
prestar essa singela homenagem aos mestres e mestras e aos textos literários em
inglês que chegam a esse décimo-quarto ano do século XXI mais vivos, atuais,
influentes e impactantes do que nunca.
O aniversariante mais celebrado do ano é, sem dúvida, o
Bardo de Stratford, cuja obra é o legado mais importante das literaturas em
língua inglesa.
Desculpem Itália, Alemanha e França, e bendita seja Albion,
que recebeu a dádiva de ser o berço do maior gênio artístico do Ocidente.
O velho Shakespeare continua arrebatando corações, fazendo
as pessoas pensarem, influenciando autores e artistas em geral e revolucionando
a literatura e as demais artes. Quase meio milênio se passou e ainda
continuamos a aprender e a nos encantar com a beleza e a força de suas
palavras, de suas personagens, de seus temas e cenários.
Como costumo dizer, não haveria Ocidente sem Shakespeare. Os
gregos nos legaram cultura, arte e filosofia, mas o Bardo nos legou uma alma.
Como todo apreciador das literaturas anglo-americanas tem
seu Shakespeare particular, e apesar de reconhecer e louvar o brilhantismo de Hamlet, minha peça preferida do Mestre de Stratford é
Macbeth. Mística, tenebrosa e gótica,
é sua peça mais curta e, em minha modesta opinião, a mais impactante: as bruxas, Lady
Macbeth lavando compulsivamente as mãos ensanguentadas, a floresta que anda, o
homem não nascido de ventre de mulher, a manifestação de Hécate. A literatura,
o cinema, os quadrinhos, os videogames e todas as demais artes de terror e
horror devem, em boa parte, suas existências a essa peça.
Shakespeare também cometeu pequenos deslizes, é claro, ainda
que seus pequenos deslizes sejam também divinos e proporcionais aos seus
maiores feitos artísticos. Romeu e
Julieta, por exemplo, é a peça do Bardo de que menos gosto.
Historinha de amor tola, o romance proibido dos jovens Capuleto
e Montecchio é, para mim, o primeiro dramalhão mexicano do Ocidente. Novelas
mexicanas, novelas da Globo e a saga Crepúsculo certamente não existiriam se Shakespeare tivesse queimado os
originais dessa peça, o que teria sido um favor para a humanidade.
Outro aniversário célebre deste ano é o do um quarto de
milênio de O Castelo de Otranto, o primeiro romance gótico, o texto que funda a
ficção de terror e horror, publicado (um vaticínio?) no mesmo ano do nascimento de Ann
Radcliffe, a rainha do gótico setecentista.
A ficção de terror e horror é um dos legados com os quais as
literaturas em língua inglesa presentearam a tradição ocidental. Não há
literatura gótica como a feita pelos anglo-americanos, e Hollywood e o cinema
não seriam a metade do que são sem essa invenção inglesa.
O Castelo de Otranto funda essa tradição.
Romance teatral, curto, direto, cheio de ações e
reviravoltas. Cada vez que leio Otranto tenho a impressão que estou diante de
um roteiro de cinema, tamanha a quantidade de peripécias que existem em tão
poucas páginas: elmos flutuantes que matam pessoas, quadros que se mexem, paredes que escorrem sangue, pedaços gigantes de cadáveres que aparecem
do nada, catacumbas úmidas e sombrias, donzelas perseguidas que desmaiam a todo
instante, heranças usurpadas, maldições, vilões desprezíveis e sacrílegos. Está
tudo ali, arrebatador e dramático, exagerado e transgressor, como a boa ficção gótica deve ser.
Quem precisa de romance realista, de romance modernista, de
experimentalismo de linguagem, da chatice das vanguardas quando se tem O Castelo de Otranto (mesmo que Modernismo, experimentalismo e vanguarda também sejam invenções anglo-americanas)? Digo sempre e
reafirmo: realismo é para os fracos, e estou para ver literatura modernista e
experimental que consiga prender a atenção e divertir a mente e o espírito como
a ficção de terror e horror. Nesse ponto, Otranto e sua prole permanecem imbatíveis.
2014 é ainda o ano em que se comemora 60 anos da publicação
dos dois primeiros volumes de O Senhor dos Anéis, de Tolkien.
De todo o imenso legado das literaturas em língua inglesa, a
obra-prima de Tolkien constitui um marco sem precedentes para a ficção de
fantasia dos séculos XX e XXI. Antes de O Senhor dos Anéis, só havia os contos
de fadas e a boa literatura romântica para suprir a necessidade humana de
enveredar pelas sendas mais recônditas da imaginação.
Em 1954 (ano em que minha mãe nasceu... coincidência?), Tolkien trouxe ao mundo o gênero alta fantasia e
uma mitologia para o povo anglo-americano. Sua obra máxima abriu os grandes
portais da imaginação e revelou um multiverso completamente novo, rico em
detalhes e prenhe de infinitas significações. Uma alternativa inteligente, de
altíssima qualidade, inspiradora e agradável às mesmices, bobagens e infantilidades do
Modernismo.
Com isso, depois do gênero romance e da ficção de terror e
horror, as literaturas de língua inglesa novamente legaram ao Ocidente uma
novidade que rendeu e rende muitos e importantes frutos: a ficção de alta fantasia.
Graças a O Senhor dos Anéis, o RPG, os MMORPGs, os
videogames, os graphic novels e toda a ficção fantástica moderna e
contemporânea se tornaram possíveis e puderam estabelecer um padrão de
qualidade tão ou mais elevado do que as literaturas realista e modernista.
Por fim, deixo meus parabéns e meu profundo agradecimento
aos grandes Cædmon, Christopher
Marlowe, John Milton, Samuel Richardson, Henry Fielding, Ann Radcliffe, William
Blake (meu querido Blake), Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe, Charles
Dickens, Kate Chopin (minha querida Kate) e James Joyce.
Sem os textos desses homens e mulheres, eu não seria quem
sou e não teria a profissão que tenho, profissão que amo e que agradeço a todos
eles pela felicidade que sinto a cada instante em ser um professor e pesquisador da área, bem como pelos maravilhosos frutos que tenho colhido
graças aos seus legados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário