segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

OS 10 LIVROS QUE VOCÊ TEM QUE LER ANTES DE MORRER

A grande maioria das pessoas adora me perguntar quais são meus filmes preferido, quais são minhas músicas preferidas, quais são meus atores e atrizes preferidos, quais são meus cantores preferidos, qual é minha maquiagem preferida etc.

Mas raríssimas foram as pessoas que, até hoje, me perguntaram quais são meus livros preferidos.
E é claro que isso tem uma explicação lógica: 99,99% das pessoas, e essa porcentagem NÃO se aplica apenas às pessoas que conheço, simplesmente não lêem, não têm o hábito da leitura. Sim, isso é lastimável.
Mas mais lastimável do que isso é saber que os 0,01% restantes que dizem ler geralmente lêem Paulo Coelho, Gabriel Chalita, Roberto Shiniachique, Padre Marcelo Rossi (não, ele não é meu parente, graças a Deus!), Lair Ribeiro, Padre Fábio de Melo e todo esse lixo asqueroso conhecido como auto-ajuda (auto-ajuda para os autores, é claro, que estão ganhando horrores de dinheiro enquanto idiotas lêem as infinitas bobagens que eles escrevem e, pior do que isso, acreditam e pautam suas vidas por esses rabiscos!). Quando a ínfima porcentagem de leitores que conheço — absoluta exceção, é claro, aos amados amigos da área de Literatura — não lêem auto-ajuda, eles lêem ficção fantástica de décima categoria (Dean Koontz, Stephen King e praticamente todas as publicações brasileiras do gênero).

Mesmo meus alunos no curso de Letras geralmente não lêem. Já perguntei a vários deles o que estavam lendo e, quando a resposta não era simplesmente "nada", era um paradoxal "não gosto de ler". Interessante isso... não gostar de ler e ir estudar Letras. É o mesmo que não gostar de números e ir estudar Matemática.

Muitas pessoas com quem converso sobre leitura dizem ter assistido aos filmes que adaptam textos literários ao cinema. Algo do tipo: "Você já leu 'O Senhor dos Anéis'?", pergunto eu na minha inocência naïve, ao que o ser humano responde "Não... mas já assisti o filme!". É claro que a conversa sobre leitura termina aí e eu já desisti de tentar explicar o óbvio ululante, que por ser tão óbvio é tão difícil: livros e filmes com o mesmo título NÃO SÃO A MESMA COISA. A grande maioria das pessoas sabe disso, mas assistir a um filme é muito mais rápido do que ler um livro... e então está tudo certo.

Em suma, hoje vou responder uma pergunta que quase nunca me foi feita (talvez porque eu adore responder a perguntas que normalmente não são feitas): quais são seus livros preferidos?, livros que, por extensão, são os livros que todos deveriam ler antes de morrer. É óbvio, não é minha gente?!, que eu mesmo criei meu cânone e agora estou apresentando-o ao Mundo! Contra-cânones ao meu são muito bem vindos... se você tiver coragem, é claro, de propor um outro cânone diferente do meu. Aos que se sentirem tentados, fiquem à vontade em usar os comentários pra isso... rsrsrs

Aproveitando a onda das listas das 1001 coisas que você tem que fazer antes de morrer, abaixo estão os singelos 10 livros que eu mais gosto e que VOCÊ TEM QUE LER ANTES DE MORRER!

10º - O NOME DA ROSA [Il Nome della Rosa, 1980], de Umberto Eco.
Meu décimo lugar é um clássico dos clássicos: um romance policial que se passa na Idade Média. Tudo em O Nome da Rosa é genial: as personagens fascinantes (AMO Dom Guilherme de Baskerville, o frei-detetive), o cenário esfumaçado e sombrio (aquela biblioteca labiríntica é a própria "Biblioteca de Babel", de Borges...), os crimes hediondos (para quem só assistiu ao filme — que, diga-se de passagem, é uma porcaria — perdeu pelo menos 4 dos 7 crimes que acontecem).
O que eu mais gosto nesse livro, no entanto, é a chave da história: o mítico livro sobre a comédia que Aristóteles teria escrito em continuação à sua Arte Poética. Na Poética, um ensaio sobre a tragédia, Aristóteles diz que trataria da comédia em um outro texto. A questão é que esse texto nunca foi encontrado. Umberto Eco usa esse fato como ponto central de seu livro e, lá no final da história, apresenta para nós, leitores, sua versão de como seria a primeira página desse texto mítico. Enfim... é orgástico.

9º - UM BONDE CHAMADO DESEJO [A Streetcar Named Desire, 1947], de Tennessee Williams.
Essa é uma peça de teatro. "A" peça de teatro. Aqui está todo o drama de ser alguém pertencente ao século XX, de ser alguém deslocado em um século de deslocamentos. Tennessee constrói um brilhante e vertiginoso jogo de luz e sombra, de passado e presente, de sanidade e loucura. Blanche DuBois... ah! Blanche, Blanche querida, eu sou você.
"Seja você quem for — eu sempre dependi da gentileza de estranhos" (cena 11).

8º - O SENHOR DOS ANÉIS [The Lord of the Rings, 1954 - 1955], de J. R. R. Tolkien.
Não há texto fantástico mais brilhante e mais bem construído do que esse. Tudo que se produziu depois (As Crônicas de Nárnia, Harry Potter, Percy Jackson etc., etc., etc.) não passa de simples sombra, de simples arremedo do texto supremo.
O Senhor dos Anéis é muitas coisas: um épico, um romance, um texto fantástico, um mito para o povo inglês, a história do Um Anel, a história de Frodo, a história de todos nós, a história que todos nós gostaríamos de ter contado, o motivo de existência dos jogos de RPG. Mas, acima de tudo, ele é a história da nossa vida, das escolhas que temos que fazer ou que somos levados a fazer por força das circunstâncias, e das responsabilidades que assumimos ao fazer essas escolhas.

7º - FAUSTO [Faust, 1806 - 1832], de Johann Wolfgang von Goethe.
A história da maior das ambições humanas: o conhecimento. Basicamente, é a história do doutor Fausto, um cientista que, em busca do conhecimento último, vende sua alma ao Diabo para consegui-lo; e sim, ele consegue. Mas, é claro, fica exasperado com o que descobre e luta para conseguir desfazer o contrato de venda com Mefistófeles, um dos vários nomes do Demônio.
Ao terminar de ler o Fausto ficamos com a interessante sensação de que o Diabo somos nós mesmos... somos todos demônios de nós mesmos, sempre buscando o pior para nós, iludidos que somos por nossas crenças errôneas.
Fausto é também uma belíssima visão do Demônio, a mais incompreendida de todas as personagens inventadas pela Literatura Ocidental.

6º - O MORRO DOS VENTOS UIVANTES [Wuthering Heights, 1847], de Emily Brontë.
De longe o mais arrebatador, o mais poderoso, o mais brilhante romance que já li em toda a minha vida. A força da narrativa é tão grande que precisei ler aos poucos, parando de tempos em tempos para respirar e não infartar. Se você puder ler no original, faça isso. Infelizmente, a tradução aqui perde muito.
O Romeu e Julieta, de Shakespeare, parece uma novela mexicana perto dessa obra.
Um aviso para você que leu Crepúsculo e só ouviu falar dessa obra via essa cretinice idiota e imbecil rabiscada por uma pseudo-escritora: NÃO LEIA ESSE ROMANCE! O Morro dos Ventos Uivantes NÃO É PARA VOCÊ! E lhe digo porque: por que essa é uma obra de verdade, é Literatura de verdade, e não isso que você leu ou está lendo. Para você, a obra máxima de Emily Brontë vai fazer mal por ser complexa demais e brilhante demais para o seu nível de compreensão. Então, coloque-se no seu lugar e vá agora ler Danielle Steel ou Sidney Sheldon se você já leu todo o lixo escrevinhado por Stephenie Meyer.

5º - O DESPERTAR [The Awakening, 1899], de Kate Chopin.
De uma delicadeza imponderável. De um brilhantismo comparável apenas a O Morro dos Ventos Uivantes. Revolucionário. Inovador. Desarticulador. O romance que ensinou as mulheres e o Feminismo a resistir. O romance que me ensinou a resistir e a persistir.
Eu sou extremamente suspeito para falar dessa obra depois de ter escrito uma dissertação de mestrado e artigos sobre ela. Contudo, certamente você será uma pessoa antes de lê-la e outra pessoa depois de lê-la. Aliás, será uma pessoa muito melhor depois de lê-la.

“Eu desistiria do não-essencial; daria meu dinheiro, daria minha vida, por meus filhos; mas não daria a mim própria” (capítulo XVI).

4º - A ILÍADA [Ιλιάδα, c. VIII a.C.], de Homero.
O texto fundador de toda a Literatura Ocidental. Antigo, difícil de ler mesmo nas melhores traduções, um texto que exige uma paciência de leitura e compreensão que há muito perdemos. Ainda assim, A Ilíada é estonteante, de uma beleza ímpar e de uma originalidade incomparável. Não há como deixar de se apaixonar pelo irado Aquiles, não há como não odiar Agamêmnon com todas as forças, não há como não chorar por Heitor, não há como não amar as maquinações de Afrodite.
Qualquer leitura d'A Ilíada é desconcertante por dois motivos: 1) Descobrimos que toda a literatura, o cinema e a cultura já foram escritos, filmados e produzidos oito século antes de Cristo, e que tudo que parece novo é só isso: parece novo, mas não é. 2) Nós nos reconhecemos, hoje, nesse texto profético: A Ilíada descreve, com toda naturalidade e sobriedade que só os gregos poderiam ter, quem somos nós, seres humanos, hoje, agora, século XXI. Nenhum texto literário é mais atual do que A Ilíada, porque nela encontramos nosso espírito cultural e individual. Nós estamos escritos nesse texto, por mais assombroso que isso possa parecer.

3º -  A DIVINA COMÉDIA [La Divina Commedia, 1307 - 1321], de Dante Alighieri.
A Comédia de Dante funda, na minha opinião, o Ocidente como ele é hoje. Nossos medos, nossos desejos, nossas incompreensões, nossos erros, nossas buscas. Tudo está ali, trançado em terza rima.
As imagens do Inferno, do Purgatório e do Paraíso construídas no nosso imaginário foram inventadas e pintadas por esse texto.
O Inferno! Ah, o Inferno! Nenhum poema que eu tenha lido até hoje se compara à força poética do Inferno de Dante.
Esse é um texto para quem não tem preconceitos, para quem não tem medo do Inferno, do Demônio, de Deus etc. É um texto para quem quer compreender o que são os dogmas de todas as religiões, dogmas que fundaram nossa cultura e que estão tão arraigados em nós que passaram a pautar nossa existência.
Não, esse não é um texto para pessoas fracas de espírito e de compreensão, nem para diletantes em Literatura, nem para iniciantes e nem para pessoas com menos de 30 anos de idade. 99% das pessoas que tentam ler a Comédia de Dante a abandonam no primeiro canto do Inferno, portanto não perca o seu tempo se você tem pouca experiência de vida: esse não é um texto para leitores comuns.

2º - Hamlet [Hamlet, Prince of Denmarke, 1599 - 1601], de William Shakespeare.
O que dizer de Hamlet? Nada.
Hamlet é um texto que nos cala, que nos assombra, que nos prostra. Ele nos lança dentro de nós mesmos sem a menor compaixão, escava o mais íntimo do nosso ser e coloca à mostra nossas feridas mais sangrentas. Hamlet é o texto que dramatiza a condição humana como ela é, e não como nós gostaríamos que ela fosse. É por isso que toda a Literatura Ocidental divide-se entre Antes de Hamlet e Depois de Hamlet.
"Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Que capacidade infinita! Como é preciso e bem-feito em forma e movimento! Um anjo na ação! Um deus no entendimento, paradigma dos animais, maravilha do mundo. Contudo, pra mim, é apenas a quintessência do pó" (Ato II, cena II).

1º - ÉDIPO REI [Οἰδίπους Τύραννος, c. III a.C.], de Sófocles.
Finalmente, o primeiro, o Livro dos Livros, o Texto dos Textos, o Texto Supremo. NADA, ABSOLUTAMENTE NADA, se compara a esse. Ele é único, inigualável, inimitável. O único texto que pode ser chamado de PERFEITO em letras garrafais, e ainda assim essa palavra é muito limitada para exprimir o que ele de fato é.
Pouco há a se dizer sobre esse texto, porque só é possível lê-lo e senti-lo. É praticamente impossível falar sobre ele. Não porque se trate de um texto como Hamlet, que cala o leitor, ou de um texto de extrema complexidade, mas sim por que Édipo Rei funda a nossa cultura e o nosso eu. Ele inaugura nossa existência. Como falar de algo que te criou? Como falar de algo que sabe mais sobre você do que você mesmo? Como falar de algo que está em você e é você de uma maneira inelutável e inescapável?
É como tentar falar de Deus: não é possível falar de Deus, pois se fosse possível falar de Deus Ele não seria Deus. Essa mesma impossibilidade se aplica ao Édipo Rei.
Apenas duas coisas eu consigo exprimir sobre essa obra: 1) É o texto que instaura a questão da existência, a pergunta-chave, a bifurcação do ser a que todos nós um dia chegamos em nossas vidas: quem sou eu? 2) Ele dá a resposta para essa pergunta.
Antes de ler Édipo Rei, no entanto, eu recomendo veementemente que você considere as palavras escritas no portal do Oráculo de Delphos: "Conhece a ti mesmo".

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

PARA TARANTINO, COM AMOR: CÃES DE ALUGUEL

Em termos de Cinema eu costumo ser muito mais diletante do que quando falo ou escrevo sobre Literatura. Talvez porque, como simples espectador, eu não tenha o compromisso com a correção, com o embasamento, com a teoria e com a técnica como tenho quando trato de Literatura. Por isso, as pessoas às vezes se chocam com algumas das minhas opiniões sobre o assunto (meus amigos da Imagem e Som, por exemplo, ficam horrorizados... peço perdão a vocês, amados, desde já), como quando digo que odeio de morte cinema brasileiro e cinema francês (a não ser o pornográfico, que é ótimo! rsrsrs), que não suporto a duplinha Tim Burton + Johnny Deep, que adoro blockbusters de ação hollywoodianos, que Tron (1982) é melhor do que 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) [Calma! Amigo! A-mi-go! Essa é só pra provocar a ira insana dos cinéfilos! rsrsrs. Antes que eu seja esfolado vivo e depois escalpelado, 2001 é, inquestionavelmente, uma obra suprema] ou que Quentin Tarantino é, sem sombra de dúvida, o melhor diretor de cinema de todos os tempos.

É sobre essa minha última opinião chocante que vou falar um pouco hoje: Mestre Tarantino.
E sim, eu não poderia ser mais diletante do que ao falar de Tarantino, o diretor que eu gostaria de ser se eu dirigisse alguma coisa além do meu próprio carro.

Pulando os detalhes biográficos (para isso estão aí a Wikipedia e o Google), se você ainda não assistiu um filme dirigido por Tarantino, então você não assistiu nada de interessante [exceção, talvez, a O Sétimo Selo (1957), The Rocky Horror Picture Show (1975) e Battle Royale (2000) que, não por coincidência, é o filme preferido de Tarantino (vide http://www.youtube.com/watch?v=OReP7WpbmIo&feature=&p=5154B42C31A8255F&index=0&playnext=1).

Não, não é a você que não assistiu nenhum filme de Tarantino a quem me dirijo aqui. Você deve ir URGENTE à locadora mais próxima, ao camelô mais próximo, à minha casa ou baixar da internet qualquer filme dele e assistir antes de continuar a ler este texto. Digo isso não apenas porque podem haver spoilers abaixo (sim, há), mas porque você está perdendo um tempo precioso da sua vida em não fazê-lo e, além disso, talvez fique um pouco difícil acompanhar o que vou escrever sem ter assistido a pelo menos um filme do diretor.

O primeiro filme dirigido por Tarantino [não, os que tiveram apenas o roteiro escrito por ele ou que apenas o tiveram como ator são tragédias sem precedentes, então não perca o seu tempo - exceção, é claro, ao magistral Planeta Terror (2007), de Robert Rodriguez, mas esse filme e Rodriguez são assuntos para  posts futuros...] se chama Cães de Aluguel (1992). Um filme curto, conciso, tenso e que inaugura com chave de ouro a Era Tarantino do Cinema. Nele estão todos os elementos que serão características recorrentes e marcantes dos demais filmes do diretor: a tematização da violência em suas várias faces, os diálogos geniais,  as referências à cultura pop, a organização não-linear do enredo, as tomadas de câmera inigualáveis, a presença de determinados atores que serão recorrentes em obras posteriores, a presença do próprio Tarantino como ator em um movimento a la Alfred Hitchcock.
Poster de lançamento de Cães de Aluguel
O enredo de Cães de Aluguel é muito simples [infelizmente, o That Guy With the Glasses (http://thatguywiththeglasses.com/) ainda não fez um resumo em 5 segundos desse filme, por isso não coloquei um link aqui que poderia facilitar nossas vidas... mas vale a pena dar uma olhada no TGWG de qualquer forma. O resumo em 5 segundos de Matrix é de tirar o fôlego...]: gira em torno do assalto a uma joalheria; e a primeira cena da trama ocorre num restaurante onde todas as personagens estão comendo e conversando alegremente. Já nessa cena há quatro pontos memoráveis: a análise de  "Like a Virgin", de Madonna, por Mr. Brown (interpretado pelo próprio Tarantino); a tomada de câmera circular, que cria uma espécie de vertigem no espectador; o próprio Tarantino atuando e falando sobre Madonna; e o espaço do restaurante, cenário inicial e final do cultuado  e aclamado Pulp Fiction (1994), o segundo filme do diretor.  Se você não conseguir sair dessa cena do filme, seja qual for o motivo (e eu garanto que você terá vários motivos para abandonar esse filme antes do final, dada sua extrema violência), já terá valido a intenção, o tempo etc.

A grande questão de Cães de Aluguel não é o roubo em si, mas  as conseqüências para aqueles que o perpetraram. Em um movimento hamletiano, ao final da trama tem-se Mr. Pink (Steve Buscemi) fugindo com as jóias roubadas e sendo preso pela polícia enquanto todos os demais morrem assassinados uns pelos outros. Nem mesmo Marvin Nash, a vítima do hediondo Mr. Blonde (Michael Madsen), escapa das garras de Tânatos. Até que esse ápice aconteça, no entanto, há vários flashbacks que situam melhor o espectador sobre quem é quem e sobre o que, exatamente, está acontecendo: uma armação policial para pegar todos em flagrante arquitetada por Mr. Orange (Tim Roth), um policial que se infiltrou na gangue do gangster Joe Cabot (Lawrence Tierney) — a gangue que roubou a joalheria — para desmantelar seu império de crimes.

Desse filme de estréia de Tarantino, três atores/personagens merecem especial atenção: Harvey Keitel (que interpreta Mr. White), Tim Roth e Michael Madsen. As personagens desses atores, apesar de mortas ao final da trama, vão retornar fantasmaticamente, com outros nomes e em outras situações, em outros filmes do diretor, como se a constituir linhas de intertextualidade ou de ligações entre enredos. A questão é que essas linhas ou ligações se dão a partir da recorrência aos atores que interpretam as personagens, e não às personagens em si ou ao enredo das tramas, o que gera um lapso entre realidade e ficção no todo da obra de Tarantino, lapso que adquire caráter épico em Bastardos Inglórios (2009), seu penúltimo filme.
Assim, no que tange aos atores/personagens mencionados, Keitel vai reaparecer em Pulp Fiction como Winston Wolf, o solucionador de problemas de Marsellus Wallace; Tim Roth também vai retornar em Pulp Fiction como Pumpkin/Ringo, o assaltante do restaurante (seria o mesmo restaurante de Cães de Aluguel?); e Michael Madsen retornará bem mais tarde, no volume 2 de Kill Bill (2004), como o misterioso Budd, irmão de Bill, única personagem dessa obra sobre a qual nada fica claro e nada se sabe sobre o passado.

Tudo leva a crer que Tarantino lança mão, em Cães de Aluguel, de um ponto em um grande enredo por ele previamente arquitetado, enredo no qual todos os seus filmes não constituem apenas diálogos entre si ou entre diversos outros filmes, mas são partes de um todo muito maior, uma trama muito maior, que tem sido desenvolvida ao longo da carreira do diretor. Todos os filmes de Tarantino seriam partes de um único, longo e complexo filme, e essas partes a princípio parecem nada ter a ver umas com as outras.

Essa teoria é apresentada de maneira tarantinesca por um curta-metragem brasileiro chamado Tarantino's Mind (2006), dirigido por 300ML, que presta uma espécie de homenagem ao cineasta. É essa teoria que pretendo desenvolver nas próximas vezes que abordar filmes de Tarantino, por isso o curta está logo abaixo. Independentemente se você concorda comigo ou não, se você vai acompanhar os posts sobre Tarantino ou não, vale muito a pena assistir esse curta, muito bem feito e que traz uma boa introdução à técnica de cinema do diretor.

Divirta-se!



domingo, 9 de janeiro de 2011

E NO INÍCIO...

Desde há muito venho relutando em iniciar um blog. Quando, nos idos dos finais da década de 1990, essa possibilidade surgiu na internet, eu achava muito difícil e complicado. Aí começou um novo milênio e os recursos da ferramenta ficaram infinitamente mais fáceis, mas eu continuei relutando, mesmo resistindo à idéia. "Para que um blog?", "O que teria eu a dizer sobre qualquer coisa?", "Eu já escrevi uma dissertação de mestrado, vários artigos para revistas especializadas, um romance ainda não publicado e estou terminando uma tese de doutorado. Para que eu ainda tenho que escrever mais?", "Eu não tenho tempo para isso.".

Mas eis que uma amiga, Cher Lopes, criou um blog o Literando para falar de literatura, televisão e música pop; e, recentemente, meu irmão também resolveu criar um blog o Perversão! para falar da "ordem vigente" (seja lá o que é isso... rsrs). Eu acabei sendo influenciado por essas duas pessoas e repensei meu relutar e minha resistência quanto a blogs: decidi criar um blog para falar, da maneira mais livre possível, e para ouvir também (dos leitores e possíveis comentaristas), sobre Literatura e Cinema, dois assuntos que gosto.

Surgiu assim "O Caminho Recusado", o então "meu" blog, porque eu sempre recusei em fazê-lo, mas acabei decidindo trilhar esse caminho e ver o que acontece.

"O Caminho Recusado" é, na verdade, o meu poema preferido de Robert Frost, um poema que conta a história da minha vida em vinte versos e que, talvez, agora seja uma premonição das conseqüências dessa minha decisão.

Por isso, nessa postagem inaugural eu reproduzo esse poema, como uma epígrafe e como uma assinatura a tudo que será postado futuramente.

O CAMINHO RECUSADO
Robert Frost

Num bosque amarelo, dois caminhos
Divergiam — e diante da escolha
Demoradamente olhei, sozinho,
Um que eu via melhor que o vizinho
E se perdia em curvas, em folhas;

Mas fui pelo outro, pois se estendeu
Também gentil e mais a meu gosto
Nos vegetais, no que ofereceu;
Seria o mesmo, imaginei eu,
Se preferisse o caminho oposto,

Pois na manhã cada qual dormia
Sobre folhas nunca palmilhadas.
— Fique o primeiro para outro dia!
Mas sei bem que estrada puxa estrada
E pressenti que não voltaria...

Vou sempre chorar o que ocorreu
Nos dois caminhos, tristeza imensa;
Ah, divergiram num bosque e eu
Quis o que mais raro pareceu
— E isto me fez toda a diferença...

(Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (org.). Antologia da nova poesia norte-americana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992)