A grande maioria das pessoas adora me perguntar quais são meus filmes preferido, quais são minhas músicas preferidas, quais são meus atores e atrizes preferidos, quais são meus cantores preferidos, qual é minha maquiagem preferida etc.
Mas raríssimas foram as pessoas que, até hoje, me perguntaram quais são meus livros preferidos.
E é claro que isso tem uma explicação lógica: 99,99% das pessoas, e essa porcentagem NÃO se aplica apenas às pessoas que conheço, simplesmente não lêem, não têm o hábito da leitura. Sim, isso é lastimável.
Mas mais lastimável do que isso é saber que os 0,01% restantes que dizem ler geralmente lêem Paulo Coelho, Gabriel Chalita, Roberto Shiniachique, Padre Marcelo Rossi (não, ele não é meu parente, graças a Deus!), Lair Ribeiro, Padre Fábio de Melo e todo esse lixo asqueroso conhecido como auto-ajuda (auto-ajuda para os autores, é claro, que estão ganhando horrores de dinheiro enquanto idiotas lêem as infinitas bobagens que eles escrevem e, pior do que isso, acreditam e pautam suas vidas por esses rabiscos!). Quando a ínfima porcentagem de leitores que conheço — absoluta exceção, é claro, aos amados amigos da área de Literatura — não lêem auto-ajuda, eles lêem ficção fantástica de décima categoria (Dean Koontz, Stephen King e praticamente todas as publicações brasileiras do gênero).
Mesmo meus alunos no curso de Letras geralmente não lêem. Já perguntei a vários deles o que estavam lendo e, quando a resposta não era simplesmente "nada", era um paradoxal "não gosto de ler". Interessante isso... não gostar de ler e ir estudar Letras. É o mesmo que não gostar de números e ir estudar Matemática.
Muitas pessoas com quem converso sobre leitura dizem ter assistido aos filmes que adaptam textos literários ao cinema. Algo do tipo: "Você já leu 'O Senhor dos Anéis'?", pergunto eu na minha inocência naïve, ao que o ser humano responde "Não... mas já assisti o filme!". É claro que a conversa sobre leitura termina aí e eu já desisti de tentar explicar o óbvio ululante, que por ser tão óbvio é tão difícil: livros e filmes com o mesmo título NÃO SÃO A MESMA COISA. A grande maioria das pessoas sabe disso, mas assistir a um filme é muito mais rápido do que ler um livro... e então está tudo certo.
Em suma, hoje vou responder uma pergunta que quase nunca me foi feita (talvez porque eu adore responder a perguntas que normalmente não são feitas): quais são seus livros preferidos?, livros que, por extensão, são os livros que todos deveriam ler antes de morrer. É óbvio, não é minha gente?!, que eu mesmo criei meu cânone e agora estou apresentando-o ao Mundo! Contra-cânones ao meu são muito bem vindos... se você tiver coragem, é claro, de propor um outro cânone diferente do meu. Aos que se sentirem tentados, fiquem à vontade em usar os comentários pra isso... rsrsrs
Aproveitando a onda das listas das 1001 coisas que você tem que fazer antes de morrer, abaixo estão os singelos 10 livros que eu mais gosto e que VOCÊ TEM QUE LER ANTES DE MORRER!
10º - O NOME DA ROSA [Il Nome della Rosa, 1980], de Umberto Eco.
Meu décimo lugar é um clássico dos clássicos: um romance policial que se passa na Idade Média. Tudo em O Nome da Rosa é genial: as personagens fascinantes (AMO Dom Guilherme de Baskerville, o frei-detetive), o cenário esfumaçado e sombrio (aquela biblioteca labiríntica é a própria "Biblioteca de Babel", de Borges...), os crimes hediondos (para quem só assistiu ao filme — que, diga-se de passagem, é uma porcaria — perdeu pelo menos 4 dos 7 crimes que acontecem).
O que eu mais gosto nesse livro, no entanto, é a chave da história: o mítico livro sobre a comédia que Aristóteles teria escrito em continuação à sua Arte Poética. Na Poética, um ensaio sobre a tragédia, Aristóteles diz que trataria da comédia em um outro texto. A questão é que esse texto nunca foi encontrado. Umberto Eco usa esse fato como ponto central de seu livro e, lá no final da história, apresenta para nós, leitores, sua versão de como seria a primeira página desse texto mítico. Enfim... é orgástico.
9º - UM BONDE CHAMADO DESEJO [A Streetcar Named Desire, 1947], de Tennessee Williams.
Essa é uma peça de teatro. "A" peça de teatro. Aqui está todo o drama de ser alguém pertencente ao século XX, de ser alguém deslocado em um século de deslocamentos. Tennessee constrói um brilhante e vertiginoso jogo de luz e sombra, de passado e presente, de sanidade e loucura. Blanche DuBois... ah! Blanche, Blanche querida, eu sou você.
"Seja você quem for — eu sempre dependi da gentileza de estranhos" (cena 11).
8º - O SENHOR DOS ANÉIS [The Lord of the Rings, 1954 - 1955], de J. R. R. Tolkien.
Não há texto fantástico mais brilhante e mais bem construído do que esse. Tudo que se produziu depois (As Crônicas de Nárnia, Harry Potter, Percy Jackson etc., etc., etc.) não passa de simples sombra, de simples arremedo do texto supremo.
O Senhor dos Anéis é muitas coisas: um épico, um romance, um texto fantástico, um mito para o povo inglês, a história do Um Anel, a história de Frodo, a história de todos nós, a história que todos nós gostaríamos de ter contado, o motivo de existência dos jogos de RPG. Mas, acima de tudo, ele é a história da nossa vida, das escolhas que temos que fazer ou que somos levados a fazer por força das circunstâncias, e das responsabilidades que assumimos ao fazer essas escolhas.
7º - FAUSTO [Faust, 1806 - 1832], de Johann Wolfgang von Goethe.
A história da maior das ambições humanas: o conhecimento. Basicamente, é a história do doutor Fausto, um cientista que, em busca do conhecimento último, vende sua alma ao Diabo para consegui-lo; e sim, ele consegue. Mas, é claro, fica exasperado com o que descobre e luta para conseguir desfazer o contrato de venda com Mefistófeles, um dos vários nomes do Demônio.
Ao terminar de ler o Fausto ficamos com a interessante sensação de que o Diabo somos nós mesmos... somos todos demônios de nós mesmos, sempre buscando o pior para nós, iludidos que somos por nossas crenças errôneas.
Fausto é também uma belíssima visão do Demônio, a mais incompreendida de todas as personagens inventadas pela Literatura Ocidental.
6º - O MORRO DOS VENTOS UIVANTES [Wuthering Heights, 1847], de Emily Brontë.
De longe o mais arrebatador, o mais poderoso, o mais brilhante romance que já li em toda a minha vida. A força da narrativa é tão grande que precisei ler aos poucos, parando de tempos em tempos para respirar e não infartar. Se você puder ler no original, faça isso. Infelizmente, a tradução aqui perde muito.
O Romeu e Julieta, de Shakespeare, parece uma novela mexicana perto dessa obra.
Um aviso para você que leu Crepúsculo e só ouviu falar dessa obra via essa cretinice idiota e imbecil rabiscada por uma pseudo-escritora: NÃO LEIA ESSE ROMANCE! O Morro dos Ventos Uivantes NÃO É PARA VOCÊ! E lhe digo porque: por que essa é uma obra de verdade, é Literatura de verdade, e não isso que você leu ou está lendo. Para você, a obra máxima de Emily Brontë vai fazer mal por ser complexa demais e brilhante demais para o seu nível de compreensão. Então, coloque-se no seu lugar e vá agora ler Danielle Steel ou Sidney Sheldon se você já leu todo o lixo escrevinhado por Stephenie Meyer.
5º - O DESPERTAR [The Awakening, 1899], de Kate Chopin.
De uma delicadeza imponderável. De um brilhantismo comparável apenas a O Morro dos Ventos Uivantes. Revolucionário. Inovador. Desarticulador. O romance que ensinou as mulheres e o Feminismo a resistir. O romance que me ensinou a resistir e a persistir.
Eu sou extremamente suspeito para falar dessa obra depois de ter escrito uma dissertação de mestrado e artigos sobre ela. Contudo, certamente você será uma pessoa antes de lê-la e outra pessoa depois de lê-la. Aliás, será uma pessoa muito melhor depois de lê-la.
“Eu desistiria do não-essencial; daria meu dinheiro, daria minha vida, por meus filhos; mas não daria a mim própria” (capítulo XVI).
4º - A ILÍADA [Ιλιάδα, c. VIII a.C.], de Homero.
O texto fundador de toda a Literatura Ocidental. Antigo, difícil de ler mesmo nas melhores traduções, um texto que exige uma paciência de leitura e compreensão que há muito perdemos. Ainda assim, A Ilíada é estonteante, de uma beleza ímpar e de uma originalidade incomparável. Não há como deixar de se apaixonar pelo irado Aquiles, não há como não odiar Agamêmnon com todas as forças, não há como não chorar por Heitor, não há como não amar as maquinações de Afrodite.
Qualquer leitura d'A Ilíada é desconcertante por dois motivos: 1) Descobrimos que toda a literatura, o cinema e a cultura já foram escritos, filmados e produzidos oito século antes de Cristo, e que tudo que parece novo é só isso: parece novo, mas não é. 2) Nós nos reconhecemos, hoje, nesse texto profético: A Ilíada descreve, com toda naturalidade e sobriedade que só os gregos poderiam ter, quem somos nós, seres humanos, hoje, agora, século XXI. Nenhum texto literário é mais atual do que A Ilíada, porque nela encontramos nosso espírito cultural e individual. Nós estamos escritos nesse texto, por mais assombroso que isso possa parecer.
3º - A DIVINA COMÉDIA [La Divina Commedia, 1307 - 1321], de Dante Alighieri.
A Comédia de Dante funda, na minha opinião, o Ocidente como ele é hoje. Nossos medos, nossos desejos, nossas incompreensões, nossos erros, nossas buscas. Tudo está ali, trançado em terza rima.
As imagens do Inferno, do Purgatório e do Paraíso construídas no nosso imaginário foram inventadas e pintadas por esse texto.
O Inferno! Ah, o Inferno! Nenhum poema que eu tenha lido até hoje se compara à força poética do Inferno de Dante.
Esse é um texto para quem não tem preconceitos, para quem não tem medo do Inferno, do Demônio, de Deus etc. É um texto para quem quer compreender o que são os dogmas de todas as religiões, dogmas que fundaram nossa cultura e que estão tão arraigados em nós que passaram a pautar nossa existência.
Não, esse não é um texto para pessoas fracas de espírito e de compreensão, nem para diletantes em Literatura, nem para iniciantes e nem para pessoas com menos de 30 anos de idade. 99% das pessoas que tentam ler a Comédia de Dante a abandonam no primeiro canto do Inferno, portanto não perca o seu tempo se você tem pouca experiência de vida: esse não é um texto para leitores comuns.
2º - Hamlet [Hamlet, Prince of Denmarke, 1599 - 1601], de William Shakespeare.
O que dizer de Hamlet? Nada.
Hamlet é um texto que nos cala, que nos assombra, que nos prostra. Ele nos lança dentro de nós mesmos sem a menor compaixão, escava o mais íntimo do nosso ser e coloca à mostra nossas feridas mais sangrentas. Hamlet é o texto que dramatiza a condição humana como ela é, e não como nós gostaríamos que ela fosse. É por isso que toda a Literatura Ocidental divide-se entre Antes de Hamlet e Depois de Hamlet.
"Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Que capacidade infinita! Como é preciso e bem-feito em forma e movimento! Um anjo na ação! Um deus no entendimento, paradigma dos animais, maravilha do mundo. Contudo, pra mim, é apenas a quintessência do pó" (Ato II, cena II).
1º - ÉDIPO REI [Οἰδίπους Τύραννος, c. III a.C.], de Sófocles.
Finalmente, o primeiro, o Livro dos Livros, o Texto dos Textos, o Texto Supremo. NADA, ABSOLUTAMENTE NADA, se compara a esse. Ele é único, inigualável, inimitável. O único texto que pode ser chamado de PERFEITO em letras garrafais, e ainda assim essa palavra é muito limitada para exprimir o que ele de fato é.
Pouco há a se dizer sobre esse texto, porque só é possível lê-lo e senti-lo. É praticamente impossível falar sobre ele. Não porque se trate de um texto como Hamlet, que cala o leitor, ou de um texto de extrema complexidade, mas sim por que Édipo Rei funda a nossa cultura e o nosso eu. Ele inaugura nossa existência. Como falar de algo que te criou? Como falar de algo que sabe mais sobre você do que você mesmo? Como falar de algo que está em você e é você de uma maneira inelutável e inescapável?
É como tentar falar de Deus: não é possível falar de Deus, pois se fosse possível falar de Deus Ele não seria Deus. Essa mesma impossibilidade se aplica ao Édipo Rei.
Apenas duas coisas eu consigo exprimir sobre essa obra: 1) É o texto que instaura a questão da existência, a pergunta-chave, a bifurcação do ser a que todos nós um dia chegamos em nossas vidas: quem sou eu? 2) Ele dá a resposta para essa pergunta.
Antes de ler Édipo Rei, no entanto, eu recomendo veementemente que você considere as palavras escritas no portal do Oráculo de Delphos: "Conhece a ti mesmo".