terça-feira, 11 de janeiro de 2011

PARA TARANTINO, COM AMOR: CÃES DE ALUGUEL

Em termos de Cinema eu costumo ser muito mais diletante do que quando falo ou escrevo sobre Literatura. Talvez porque, como simples espectador, eu não tenha o compromisso com a correção, com o embasamento, com a teoria e com a técnica como tenho quando trato de Literatura. Por isso, as pessoas às vezes se chocam com algumas das minhas opiniões sobre o assunto (meus amigos da Imagem e Som, por exemplo, ficam horrorizados... peço perdão a vocês, amados, desde já), como quando digo que odeio de morte cinema brasileiro e cinema francês (a não ser o pornográfico, que é ótimo! rsrsrs), que não suporto a duplinha Tim Burton + Johnny Deep, que adoro blockbusters de ação hollywoodianos, que Tron (1982) é melhor do que 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) [Calma! Amigo! A-mi-go! Essa é só pra provocar a ira insana dos cinéfilos! rsrsrs. Antes que eu seja esfolado vivo e depois escalpelado, 2001 é, inquestionavelmente, uma obra suprema] ou que Quentin Tarantino é, sem sombra de dúvida, o melhor diretor de cinema de todos os tempos.

É sobre essa minha última opinião chocante que vou falar um pouco hoje: Mestre Tarantino.
E sim, eu não poderia ser mais diletante do que ao falar de Tarantino, o diretor que eu gostaria de ser se eu dirigisse alguma coisa além do meu próprio carro.

Pulando os detalhes biográficos (para isso estão aí a Wikipedia e o Google), se você ainda não assistiu um filme dirigido por Tarantino, então você não assistiu nada de interessante [exceção, talvez, a O Sétimo Selo (1957), The Rocky Horror Picture Show (1975) e Battle Royale (2000) que, não por coincidência, é o filme preferido de Tarantino (vide http://www.youtube.com/watch?v=OReP7WpbmIo&feature=&p=5154B42C31A8255F&index=0&playnext=1).

Não, não é a você que não assistiu nenhum filme de Tarantino a quem me dirijo aqui. Você deve ir URGENTE à locadora mais próxima, ao camelô mais próximo, à minha casa ou baixar da internet qualquer filme dele e assistir antes de continuar a ler este texto. Digo isso não apenas porque podem haver spoilers abaixo (sim, há), mas porque você está perdendo um tempo precioso da sua vida em não fazê-lo e, além disso, talvez fique um pouco difícil acompanhar o que vou escrever sem ter assistido a pelo menos um filme do diretor.

O primeiro filme dirigido por Tarantino [não, os que tiveram apenas o roteiro escrito por ele ou que apenas o tiveram como ator são tragédias sem precedentes, então não perca o seu tempo - exceção, é claro, ao magistral Planeta Terror (2007), de Robert Rodriguez, mas esse filme e Rodriguez são assuntos para  posts futuros...] se chama Cães de Aluguel (1992). Um filme curto, conciso, tenso e que inaugura com chave de ouro a Era Tarantino do Cinema. Nele estão todos os elementos que serão características recorrentes e marcantes dos demais filmes do diretor: a tematização da violência em suas várias faces, os diálogos geniais,  as referências à cultura pop, a organização não-linear do enredo, as tomadas de câmera inigualáveis, a presença de determinados atores que serão recorrentes em obras posteriores, a presença do próprio Tarantino como ator em um movimento a la Alfred Hitchcock.
Poster de lançamento de Cães de Aluguel
O enredo de Cães de Aluguel é muito simples [infelizmente, o That Guy With the Glasses (http://thatguywiththeglasses.com/) ainda não fez um resumo em 5 segundos desse filme, por isso não coloquei um link aqui que poderia facilitar nossas vidas... mas vale a pena dar uma olhada no TGWG de qualquer forma. O resumo em 5 segundos de Matrix é de tirar o fôlego...]: gira em torno do assalto a uma joalheria; e a primeira cena da trama ocorre num restaurante onde todas as personagens estão comendo e conversando alegremente. Já nessa cena há quatro pontos memoráveis: a análise de  "Like a Virgin", de Madonna, por Mr. Brown (interpretado pelo próprio Tarantino); a tomada de câmera circular, que cria uma espécie de vertigem no espectador; o próprio Tarantino atuando e falando sobre Madonna; e o espaço do restaurante, cenário inicial e final do cultuado  e aclamado Pulp Fiction (1994), o segundo filme do diretor.  Se você não conseguir sair dessa cena do filme, seja qual for o motivo (e eu garanto que você terá vários motivos para abandonar esse filme antes do final, dada sua extrema violência), já terá valido a intenção, o tempo etc.

A grande questão de Cães de Aluguel não é o roubo em si, mas  as conseqüências para aqueles que o perpetraram. Em um movimento hamletiano, ao final da trama tem-se Mr. Pink (Steve Buscemi) fugindo com as jóias roubadas e sendo preso pela polícia enquanto todos os demais morrem assassinados uns pelos outros. Nem mesmo Marvin Nash, a vítima do hediondo Mr. Blonde (Michael Madsen), escapa das garras de Tânatos. Até que esse ápice aconteça, no entanto, há vários flashbacks que situam melhor o espectador sobre quem é quem e sobre o que, exatamente, está acontecendo: uma armação policial para pegar todos em flagrante arquitetada por Mr. Orange (Tim Roth), um policial que se infiltrou na gangue do gangster Joe Cabot (Lawrence Tierney) — a gangue que roubou a joalheria — para desmantelar seu império de crimes.

Desse filme de estréia de Tarantino, três atores/personagens merecem especial atenção: Harvey Keitel (que interpreta Mr. White), Tim Roth e Michael Madsen. As personagens desses atores, apesar de mortas ao final da trama, vão retornar fantasmaticamente, com outros nomes e em outras situações, em outros filmes do diretor, como se a constituir linhas de intertextualidade ou de ligações entre enredos. A questão é que essas linhas ou ligações se dão a partir da recorrência aos atores que interpretam as personagens, e não às personagens em si ou ao enredo das tramas, o que gera um lapso entre realidade e ficção no todo da obra de Tarantino, lapso que adquire caráter épico em Bastardos Inglórios (2009), seu penúltimo filme.
Assim, no que tange aos atores/personagens mencionados, Keitel vai reaparecer em Pulp Fiction como Winston Wolf, o solucionador de problemas de Marsellus Wallace; Tim Roth também vai retornar em Pulp Fiction como Pumpkin/Ringo, o assaltante do restaurante (seria o mesmo restaurante de Cães de Aluguel?); e Michael Madsen retornará bem mais tarde, no volume 2 de Kill Bill (2004), como o misterioso Budd, irmão de Bill, única personagem dessa obra sobre a qual nada fica claro e nada se sabe sobre o passado.

Tudo leva a crer que Tarantino lança mão, em Cães de Aluguel, de um ponto em um grande enredo por ele previamente arquitetado, enredo no qual todos os seus filmes não constituem apenas diálogos entre si ou entre diversos outros filmes, mas são partes de um todo muito maior, uma trama muito maior, que tem sido desenvolvida ao longo da carreira do diretor. Todos os filmes de Tarantino seriam partes de um único, longo e complexo filme, e essas partes a princípio parecem nada ter a ver umas com as outras.

Essa teoria é apresentada de maneira tarantinesca por um curta-metragem brasileiro chamado Tarantino's Mind (2006), dirigido por 300ML, que presta uma espécie de homenagem ao cineasta. É essa teoria que pretendo desenvolver nas próximas vezes que abordar filmes de Tarantino, por isso o curta está logo abaixo. Independentemente se você concorda comigo ou não, se você vai acompanhar os posts sobre Tarantino ou não, vale muito a pena assistir esse curta, muito bem feito e que traz uma boa introdução à técnica de cinema do diretor.

Divirta-se!



9 comentários:

  1. Tarantino é mestre! Só existiu um homem que foi capaz de suplantá-lo e foi aquele que disse:

    "não existe trabalho ruim... o ruim é ter que trabalhar".

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  2. O Bud é um dos melhores personagens criados por Tarantino, o único que derrotou a Mamba Negra, mas é um guerreiro cansado. "Aquela mulher merece sua vingança"

    E TGWG é legal, principalmente o Nostalgia Critic

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  3. Concordo, é claro, que Bud seja uma figurativização do "guerreiro cansado" (talvez do "guerreiro desiludido"), mas acho muito complicado dizer que Bud derrotou a Mamba Negra, visto que ele foi morto justamente mordido por uma... Mamba Negra.

    A serpente que Elle Drive coloca na mala é um desdobramento metafórico da figura de Beatrix Kiddo, que naquele momento estava voltando do Mundo dos Mortos a que o próprio Bud pensou que a tinha condenado.

    Mesmo que Kiddo não tivesse conseguido sair do túmulo de Paula Schultz, ainda assim ela teria morto Bud através de seu avatar, a serpente Mamba Negra.

    Em suma: mais um jogo brilhante de Mestre Tarantino.

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  4. Sou louca pelo Tim Roth...creio que é um ator excepcional, assim como o Wagner gosta do Steve Bucemi, que acabou de ganhar um prêmio de melhor ator...o que gosto no Tarantino é a maneira como ele trata a violência como mais um aspecto simples da vida. Pra mim o melhor ainda é Pulp Fiction (ainda não assisti Kill Bill 2), mas os filmes de Tarantino são...filmes de Tarantino, reconhecemos sem saber quem é o diretor...do mesmo jeito que assistimos a cnco segundos de um filme baseado em Charles Dickens e sabemos qe a história é dele (achoq ue são as boinas)

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  5. Para ser franco, Cher, de todos os atores e atrizes com quem Tarantino trabalhou ou trabalha eu prefiro Uma Thurman e, na minha modesta opinião, o melhor filme do Mestre até o momento é Kill Bill, volumes 1 e 2, ainda que todos os críticos e o público sejam unânimes em apontar Pulp Fiction como a obra máxima (o que, é claro, eu concordo... ainda que em partes... rsrsrs).

    De qualquer forma, todos os filmes de Tarantino terão um post aqui. Neles eu vou desenvolver melhor minhas opiniões e gostaria muito de ler as suas também.

    Você está coberta de razão ao apontar o tratamento que Tarantino dá à violência em seus filmes, e é isso que, na minha opinião, torna seus filmes imediatamente reconhecíveis.
    Entretanto, como eu sou sempre do contra, na minha modesta opinião a chave de todo filme de Tarantino é a estrutura de romance, a estrutura literária que ele imprime em todas as suas obras, o que explica em partes a teoria de que todos os filmes dele seriam partes diversas de um mesmo e imenso roteiro... um roteiro de grandes proporções deixa de ser um roteiro e passa a ser... um romance.

    Ah Dickens! Nosso velho Dickens! Essencial, porém chato. Tocante, porém melodramático demais. Realista, porém romântico.
    Reconhecemos uma história baseada em Dickens pelas boinas, é claro, e pela presença de crianças sendo vituperadas pela sociedade.
    Eu não gosto de Dickens.
    Simplista demais para o meu gosto.

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  6. Você está querendo dizer que os filmes de Tarantino têm gosto de café requentado? É isso o que está querendo dizer?!!

    Na verdade eu sempre tive essa impressão, mas acho que é um café requentado bastante peculiar: com gosto de sangue. kkkkkkkkkk!

    E eu adoro filmes que se vc espremer o sai sangue! Por exemplo: se você espremer o dvd do Cães de Aluguel, não apenas vai sair sangue como virá uma orelha de brinde. Agora, se você espremer o dvd do Pulp Fiction, provavelmente não vai sair sangue e sim muito pó! (talvez umas gotinhas de coca com baunilha)

    Porém, se você espremer Bastardos Inglórios, o que vai sair é uma peneira, porque eu nunca vi tantos buracos de bala em um único Hitler!

    Mas o grande vencedor é Kill Bill vol. I... se você espremer, prepare-se porque o que vai sair de sangue, pernas, orelhas, olhos, cabeças e braços da pra fazer o maior sarapatel da história do cinema...

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  7. Nopes, Tarantino não é café requentado não. Ele é pós-moderno e, como tal, um cineasta que reflete, a seu modo, sobre a condição da existência nos dias atuais, condição para ele pautada pela violência desmedida e sem o menor remorço, ética ou moral.

    Sim, de fato os filmes dele não só saem sangue se você espreme, mas assistí-los já é tomar um banho de sangue.
    Esse sangue, no entanto, não é um desperdício sem sentido nenhum, como "O resgate do soldado Ryan" ou "A lenda do cavaleiro sem cabeça".
    Esse sangue lava a todos nós da mesmice.

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  8. Sim, ele é um café muito bem requentado. Convido você, e a todos que quisere, a dar uma olhada no meu blog na última publicação que fiz referente a re-Quentin Tarantino.

    Abraços!

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