Há meses que não publico aqui no meu amado blog.
Estive hibernando no adorável Mundo das Teses de Doutorado, um lugar cheio de fantasia e aventura perdido entre o mundo “real” e o mundo da “ficção”, de onde você só consegue sair depois de escrever umas trezentas páginas sobre alguma coisa bem difícil que dificilmente alguém vai ler. Logo mais virá um post sobre essa minha interessante experiência nesse multiverso maravilhoso, fantástico e, evidentemente, completamente fora de qualquer concepção de realidade. Aliás, como eu sempre digo, realidade é para os fracos... rsrsrs.
Agora, depois de ter parido meu lindo bebê de quatrocentas e dez páginas e batizado a criança com o cabalístico nome de “Segredos do Sótão” (os padrinhos foram Jacques Derrida, Sigmund Freud, Sandra Gilbert e Susan Gubar), eis que aos poucos começo a retornar à vida cotidiana e eu não poderia deixar de retornar ao meu querido blog sem ser em grande estilo.
Por isso, quero marcar este retorno trazendo uma assim chamada “controvérsia”: a Controvérsia Van-Cido sobre a obra Tarantiniana.
Vem comigo, minha gente! Se joga na “controvérsia”!
ADVERTÊNCIA: HÁ SPOILERS (revelações importantes sobre o enredo de vários filmes) ABAIXO.
No dia 18 de março último, meu irmão publicou em seu blog (o Perversão!, altamente recomendado àqueles que gostam de uma boa discussão sobre o mundo hoje) um interessante post intitulado “Café re-Quentin Tarantino”. Eu sugiro que você leia esse post do meu irmão antes de ler o que segue, assim você poderá se inteirar melhor da questão e, é claro, ter acesso à uma brilhante leitura e interpretação dos filmes do Grande Mestre do Cinema Pós-Tudo.
Como todo bom cientista social de linha sociológica, meu irmão ADORA uma “controvérsia”. Aliás, os cientistas sociais são rigorosamente treinados nesse tipo de coisa: cursam disciplinas obrigatórias como “Teoria e Prática da Luta Armada de Classes”, “Prática de Guerrilha Aplicada ao Capitalismo Selvagem”, “Introdução à Greve nos Setores Público e Privado”, “Como destruir seu interlocutor com uma só palavra ou com um golpe de muoi-tai” e fazem estágio supervisionado em Sierra Maestra, na parte colombiana da Floresta Amazônica e nos acampamentos do MST. Em resumo, mexe com eles e você pode ser raptado pelas FARC para sempre, ser obrigado a assistir a um discurso de Hugo Cháves ou, pior ainda, ir para “El Paredón” ou, que coisa tenebrosa!, ter que discutir Política com eles.
Sim, por que o povo de Sociais tem os contatos mais escabrosos da face da Terra, já que a primeira disciplina que eles cursam no primeiro ano de faculdade é “Como organizar motins (armados ou não)”, que é pré-requisito para a importantíssima disciplina “Modos de fabricação do Coquetel Molotov e derivados”. Ou seja, trabalho em grupo é especialidade deles; e só se você for um masoquista inveterado se porá a discutir Política com alguém de Sociais.
Note que, se você achava que o povo de Sociais é composto apenas por fumantes de maconha e hippies mal-encarados e barbudos como aparições de Woodstock ou reencarnações fantasmagóricas de Che, VOCÊ SE ENGANOU REDONDAMENTE!
Há muito tempo eles deixaram de ser meros marxistas comedores de criancinha para serem hackers futuristas que estão secretamente tramando a instauração de uma nova ordem mundial por meio de um golpe de estado simultâneo em todos os países do mundo. O primeiro passo para a concretização desse plano maquiavélico de dominação do Universo (sim, eles pretendem destituir Deus desse cargo e colocarem no lugar uma junta de trabalho em reunião permanente) é a absoluta obliteração do Capitalismo e a instauração de um novo sistema que vai trocar moedas de toda espécie por minutos de discussões políticas gravadas e transmitidas ao vivo pela TV Câmara... não é por acaso, minha gente, que o blog do meu irmão se chama Perversão! (da Ordem)!
Aliás, meu irmão é uma das mentes diabólicas por trás da CBPBAANOMCACM (Comuna Brasileira de Paris em Buenos Aires para a Articulação da Nova Ordem Mundial Cubana Anti-Capitalista de Marisales), o insidioso partido político que tomará o poder do Universo nos próximos anos a partir de panfletos comunistas distribuídos em surdina, na calada da noite, entre a população das classes C, D, E, F, G e H que, futuramente, será fundida em uma única e nova classe social: a classe PG (Perestroika & Glasnost).
RSRSRSRSRSRSRS!
Brincadeiras à parte, o que meu irmão chama de “controvérsia” sobre a maneira como Tarantino trata algumas questões concernentes ao seres humanos resume-se, basicamente, no seguinte: Van concebe os filmes de Tarantino como retratos da perversão humana; Cido concebe os filmes de Tarantino como tratados sobre a violência em todas as suas manifestações.
Haveria alguma possibilidade de consenso entre os dois debatedores? Você decide sobre isso. Mas (e sempre há um maldito “mas”...), fique advertido(a) desde já que respostas como “sim” e “não” são excessivamente simplistas para tratar da questão.
A leitura de Van sobre a obra Tarantiniana é muito boa. Como toda boa leitura, ela demanda uma “contra”-leitura, uma leitura outra, não necessariamente oposta, mas suplementar, ou seja, que ao mesmo tempo possa complementá-la e, de algum modo por demais misterioso, ser um excesso a ela.
Por isso, o que eu vou propor abaixo não é exatamente uma outra leitura e sim uma leitura outra, uma leitura da leitura de Van que não é, em absoluto, uma re-leitura ou propriamente uma contra-leitura, mas sim uma desleitura.
Vamos por partes, como diria Jack.
Eu vou seguir aqui a mesma interessante divisão em capítulos proposta por Van. Cada um dos meus capítulos é um espelho dos capítulos escritos por ele em seu post.
Capítulo I – Au-delà
Van diz que a grande temática de Tarantino é a perversão.
Eu continuo na minha posição de que é a vingança.
Todo filme de Tarantino contém um trajeto, uma busca, uma empreitada, e essa busca, como Van nota sem perceber, é o Caminho do Herói, o caminho do qual falarei em instantes.
A perversão não demanda esse tipo de busca. Ela pode, é claro, fazer parte da busca como um ingrediente a mais, como de fato ocorre, por exemplo, quando Marsellus Wallace é capturado e estuprado por Zed e Maynard em Pulp Fiction. No entanto, nós não podemos esquecer que isso ocorre por que Marsellus estava perseguindo Butch, ou seja, estava em busca de Butch, e não por que Tarantino quer dissecar a perversão humana do gay S&M black leather.
Tarantino usa a perversão humana nas suas mais variadas formas como uma maneira de desviar a atenção dos espectadores, como um jogo, uma brincadeira, um “segredinho só nosso” entre diretor e público. Esse desvio de atenção, no entanto, é sempre na medida certa e é sempre impactante, o que resulta na construção de sub-enredos, mini-universos coadjuvantes da composição de um multiverso que, ao final, ajudam a delinear esse multiverso, mas estranhamente não o são ou não o caracterizam. Toda vez que a perversão se manifesta nos filmes de Tarantino, ela deixa uma linha solta que poderia ser puxada e resultaria, invariavelmente, em outro(s) filme(s). Isso faz parte da técnica do cineasta.
No entanto, nenhuma das poucas perversões que Tarantino mostra ou alude fundamenta seus filmes ou é a chave-mestra de quaisquer dos seus enredos.
É importante lembrar aqui que eu entendo perversão sempre na perspectiva freudiana do termo, ou seja, um desvio de comportamento e/ou personalidade do eu (ego) em relação ao outro (superego) resultante de uma neurose ou psicose (um distúrbio causado pelo id). Dentro desse escopo, perversão não é golpes de artes marciais, instilação de dor ou sofrimento humanos por si só, perseguições, acidentes, jorros de sangue, órgãos decepados, enterros de pessoas vivas, usos assombrosos de espadas Hanzo etc.
Perversão é o prazer do eu no sofrimento do outro. Não basta apenas gerar ou causar sofrimento. É preciso que alguém, personagens ou espectadores, sinta prazer com esse sofrimento.
Além disso, a perversão pode ser, além de um desvio psíquico, também um desvio ético-moral às regras sociais, caso de Chefe Matsumoto em Kill Bill. Chefe Matsumoto era pedófilo, o que não é exatamente um desvio psíquico, mas sim o desvio às normas ético-morais de comportamento estabelecidas pela sociedade. Esse último caso de perversão é, no entanto, muito discutível à medida que traz à tona a questão do entendimento da perversão enquanto perversão: "perversão na perspectiva de quem?" é a pergunta que emerge ao colocarmos o aspecto social na jogada.
Dentro desse entendimento, temos muito pouca perversão na obra Tarantiniana. Na verdade, o que temos são mais pervertidos do que perversões propriamente ditas: Mr. Blonde em Cães de Aluguel; a cena a que me referi acima em Pulp Fiction; Buck, Chefe Matsumoto e Gogo em Kill Bill; Stuntman Mike em À Prova de Morte; Hans Landa em Bastardos Inglórios; e Calvin Candie em Jango Livre. Não consigo vislumbrar outras possibilidades além dessas e, em termos estatísticos, Jackie Brown é o filme que menos tem perversões/pervertidos e Kill Bill é o que mais tem esse tipo de ocorrência.
Assim, permaneço com a opinião de que a obra de Tarantino é uma reflexão especificamente sobre a vingança, e a vingança não é, em absoluto, uma perversão, mas sim um trajeto de busca que pode ou não levar à aniquilação do vingador e/ou de sua vítima/algoz e, pelo que temos visto nos filmes do cineasta, ele tem optado pela vingança que não leva à aniquilação, ou seja, pela vingança que se concretiza de modo indelével, pela vingança como prato de fato comido frio, e não como algo que é ruim ou que se volta contra o vingador.
Quem caminha pelo Caminho da Vingança nos filmes de Tarantino tem duas características: 1) sua vingança é justa, ou seja, a vingança é merecida e até mesmo as vítimas da vingança, que em momento anterior foram os algozes de quem se vinga, têm consciência disso (lembremos a fala de Budd em Kill Bill 2: “Essa mulher merece sua vingança. E nós merecemos morrer".); 2) uma vez buscada, ainda que a duras penas, a vingança será conseguida e todos ficarão quites, pois todos são, no fundo e cada um a sua maneira, bandidos.
Esse fato da vingança ser um trajeto, um caminho, na obra Tarantiniana nos traz de volta à questão do Caminho do Herói que mencionei no início.
Van diz que reconhece em Kill Bill, em Pulp Fiction e em Bastardos Inglórios a saga do herói grego, ou seja, do herói épico clássico, aquele a quem é oferecido escolher seu Destino por que ele é um semideus ou um protegido dos deuses, logo ele conhece sua Nêmesis, o final de sua existência terrena. Além disso, não podemos esquecer que o herói grego clássico deve ser tomado como uma entidade social, a representação do espírito cultural de um povo, o que o torna um modelo a ser seguido. Exemplos desse tipo de herói são os grandes guerreiros das epopéias gregas: Aquiles, Heitor e Ulisses.
Eu creio que esse modelo de herói não se aplica facilmente aos filmes de Tarantino por uma questão básica: o herói épico grego luta pela justiça, e não pela vingança. Justiça e vingança não são a mesma coisa: justiça é uma concepção resultante de uma convenção coletiva; enquanto vingança é a busca por uma justiça pessoal e particular.
Exemplo básico é Aquiles, o grande e contraditório herói épico grego por excelência: quando Helena, o espírito do povo grego, é “raptada” por Páris Alexandre, Aquiles entra na batalha contra Tróia por justiça, ou seja, para resgatar um bem coletivo, mesmo sabendo que ao fazê-lo encontraria sua Nêmesis. No entanto, quando Heitor mata Pátroclo, primo e possível “amante” de Aquiles, por acidente, Aquiles é tomado por uma fúria incontrolável que o leva a buscar a vingança contra Heitor. Ele assim procede e mata Heitor. Se a questão parasse por aí não teríamos um problema tão grande. No entanto, além de matar Heitor, Aquiles vilipendia seu cadáver, um ato imperdoável mesmo entre os deuses, e atrai sobre si a justiça das Erínias, as Senhoras do Destino: como a vingança de Aquiles não foi justa e, mais do que isso, ele vilipendiou o corpo do injustiçado, Heitor será vingado pelas próprias Erínias, que farão com que Aquiles encontre sua Nêmesis da forma mais desprezível para um herói grego, pois ele será morto acidentalmente (a flecha atirada por um mau-arqueiro que atinge o calcanhar) por um guerreiro sem honra (Páris Alexandre) que não lhe dará a chance de pelejar com dignidade, o que é uma desonra para o herói grego.
Não é isso que vemos nos filmes de Tarantino.
O (anti)herói Tarantiniano está sempre em busca de vingança, ou seja, em busca de uma justiça pessoal que o leva a desafiar toda e qualquer forma de convenção social (ética e moral), mas, paradoxalmente, esse (anti)herói pauta-se sempre pela honra.
Isso torna o herói Tarantiniano não um exemplo de herói épico grego, mas um brilhante exemplo de herói pós-moderno, o herói fragmentado que de claro só tem a sua própria busca, geralmente uma busca que transita por caminhos obscuros e dúbios.
O herói pós-moderno reúne características do herói épico grego, do herói medieval e do anti-herói romântico. Como tal, ele nunca é exatamente um herói na concepção clássica do termo, ou seja, um modelo a ser seguido, pois sempre apresenta uma face má que o identifica com o vilão. O paradigma desse tipo de herói pode ser expresso na fala de Beatrix Kiddo a Vernita Green quase ao final da primeira cena de Kill Bill: “O que me falta é compaixão e clemência, não racionalidade”.
São esses paradoxos que guiam Tarantino na sua composição da vingança como busca do herói, pois assim como o herói pós-moderno tem muitas faces, e todas esdas faces são infixas, o caminho perseguido por esse herói também é infixo: nunca se sabe o que se vai encontrar quando se trilha o Caminho da Vingança. É o trilhar desse caminho que interessa a Tarantino, pois é no caminhar que vêm à tona os dramas da condição humana, sendo a perversão um desses dramas, mas não só. No Caminho da Vingança há também a maternidade (Kill Bill); há uma louca que cheira heroína (Pulp Fiction); há o revidar da vítima que se torna, então, algoz (À Prova de Morte); há a justiça daqueles que foram cruelmente assassinados sem motivo (Bastardos Inglórios); há a vingança das vítimas/algozes da vingança (rumores sobre Kill Bill 3), que poderíamos então chamar de justiça?
Capítulo II – A Narrativa, Fatalmente
Van coloca em questão duas características fundamentais de todos os filmes de Tarantino: a fragmentação do enredo e as tomadas de cena.
Para Van, os usos que o cineasta faz dessas técnicas remetem a um livro de contos, onde até pode haver alguma coerências entre os enredos, mas todos mantêm primeiramente uma coerência interna que não necessariamente os conecta uns aos outros.
Se os filmes de Tarantino tivessem essa organização teríamos obras simplesmente ininteligíveis e incompreensíveis por uma questão técnica: um filme não tem os mesmos recursos de um livro.
Um livro não precisa necessariamente ser um todo de sentido. Ele pode, como bem aponta Van, ser um livro de contos ou mesmo um livro de ensaios em que as partes não precisam ter absolutamente nenhuma conexão entre si. É por isso que a maneira de se ler um livro de contos ou um livro de ensaios é totalmente diferente da maneira de se ler um romance: enquanto num livro de contos podemos ler apenas um conto e teremos já ali um todo de sentido completo, não é possível ler apenas um capítulo de um romance, pois o todo de sentido da obra não estará inteiramente condensado ali.
O mesmo ocorre com um filme: um filme é sempre um todo de sentido, e aqui eu me refiro especificamente aos filmes de ficção (isso não se aplica a documentários, filmes institucionais etc.). Não é possível assistir apenas uma cena de filme e tomá-la como as completas possibilidades de sentido de todo o filme. Um filme é como um romance: todas as partes têm, necessariamente, que estar conectadas de alguma forma nem que seja pela desconexão mútua.
Mestre Tarantino, em sua sabedoria suprema, entende como poucos essa semelhança a ponto de usar a própria estrutura do romance em seus filmes: Tarantino normalmente divide suas obras em capítulos demarcados, às vezes até intitulados (como ocorre em Pulp Fiction e Kill Bill), o que deixa claro que há uma organização interna presente na obra e que essa organização não é casual ou meramente técnica, mas significativa.
Desse modo, certamente todas as partes são interligadas entre si e elas objetivam com isso formar um todo de sentido. No entanto, esse todo de sentido não é fixo e sim móvel: o espectador pode assistir o filme não apenas na ordem proposta pela organização dada pelo diretor, mas compor sua própria organização. Em outras palavras, pode-se assistir Pulp Fiction ou Kill Bill pulando-se as cenas como se queira que, ainda assim, o espectador encontrará um todo de sentido outro e diferente do proposto ao se assistir ao filme em sua sequência original.
Genial como só poderia ser Mestre Tarantino, seus filmes não foram feitos para serem assistidos no cinema, mas sim no DVD, onde o espectador tem a liberdade de iniciar e concluir o filme da forma que quiser, de ordenar as cenas ao seu bel prazer e, com isso, assistir não apenas a um filme, mas a vários filmes. Ao mesmo tempo, e misteriosamente, os filmes de Tarantino adquirem proporções épicas quando assistidos na tela do cinema.
Deixo aqui uma sugestão a quem quiser tentar comprovar minhas palavras. Assista Pulp Fiction na seguinte ordem (e depois me conte, é claro!):
1) Prelude to “The Gold Watch” (flashback);2) Prelude to “Vincent Vega and Marsellus Wallace’s Wife”;3) “The Bonnie Situation”;4) Prologue – “The Diner” (part 1);5) Epilogue – “The Diner” (part 2);6) “Vincent Vega and Marsellus Wallace’s Wife”;7) Prelude to “The Gold Watch” (present);8) “The Gold Watch”.
Capítulo III – AMINADAB [leia a palavra de trás para frente... rsrsrs]
No seu terceiro capítulo, Van propõe um intrincado enigma sobre o contrato que o espectador assina com sangue com Tarantino para poder assistir aos seus filmes. Jogando com referências que só quem teve infância conhece [o conto de fadas “Rumpelstiltiskin”, dos irmãos Grimm; e o nome enigmático Tenbreenan Cragsistan, uma personagem que aparece num dos mais emocionantes episódios da animação “Cavalo de Fogo”], Van está tratando justamente das referências contidas nos filmes de Tarantino, referências que são as chaves-mestras dos seus enredos e que apenas cinéfilos e especialistas conseguem distinguir. O interessante enigma proposto por Van, variação do enigma que Tenbreenan Cragsistan propõe à Princesa Sarah no mencionado episódio de “Cavalo de Fogo”, diz o seguinte:
Se você descobrir os meus personagens onde o nome delas não está [ou seja, nos diversos filmes que são as bases dos enredos de Tarantino] e o meu nome em personagens onde eu não estou [ou seja, nas diversas personagens cinematográficas e literárias referidas por Tarantino em seus filmes], eu pagarei o seu preço.
É um mistério qual seria o preço que Tarantino pagaria ao espectador que conseguisse encontrar as referências feitas por ele em seus filmes, e esse mistério deve assim permanecer como o Mistério de Van. Certamente que esse preço não seria o espectador deixar de assistir aos filmes do Grande Mestre. Pelo contrário, descobrir as referências de Tarantino seria um motivo a mais para assisti-los e conseguir distinguir a magistralidade com a qual ele elabora e conecta tais referências de modo a construir algo totalmente novo e impressionante.
Diferente de Lady Gaga, que eu ADORO, mas que tenho que reconhecer que é uma cópia da cópia, cuspida e escarrada, de Madonna e Elton John, Tarantino é infinitamente mais sutil na construção de suas referências: ele as burila, ele as oculta em seus filmes, ele deixa pequenos fios propositalmente soltos para que o espectador atento os puxe. Tarantino sugere e, com isso, respeita seu espectador, que pode ou não aceitar seguir a sugestão. Se ele não o fizer, estará diante de um excelente filme, o que já é bastante para os padrões atuais; mas se ele assim fizer... descobrirá que está diante de uma obra-prima.
Eu comecei recentemente a fazer algumas pesquisas nesse sentido para tentar descobrir as possíveis referências de Tarantino em seus filmes. Confesso que é uma tarefa difícil, pois ele é um cinéfilo que conhece praticamente tudo e teve acesso a filmes praticamente impossíveis de achar como They Call Her One Eye [Thriller – en Grym Film (1974), de Bo Arne Vibenius] e Lady Snowblood [Shurayukihime (1973), de Toshiya Fujita], dentre diversos outros. Em They Call Her One Eye encontramos a inspiração para Elle Driver e em Lady Snowblood para O-Ren Ishii.
De qualquer forma, a tarefa não é impossível de ser levada a cabo hoje em dia, pois a Internet ajuda muito no perseguir as referências e encontrá-las, o que não quer dizer que se vá conseguir reconhecê-las ou mesmo entendê-las, pois o mundo virtual ainda não faz, por si só e no momento desejado, interpretação de texto. Logo, é possível resolver o enigma e, ao que me parece, não é exatamente isso que torna única cada obra de Tarantino. O que torna única tal obra é a composição do enredo, o jogo de sugestões e a magistralidade com que o diretor manipula e (re)constrói suas referências.
É claro, neh minha gente, que se você for à Wikipedia você vai encontrar de cara as referências óbvias feitas pelo cineasta (Hattori Hanzo é uma personagem do mangá Hanzo no Mon; uma personagem interpretada por Sony Chiba na série Shadow Warrios, veiculada pela TV japonesa entre 1980 e 2003; uma personagem dos videogames Samurai Shodown e The King of Fighters Maximum Impact; dentre diversas outras referências que trazem tal nome e que você pode encontrar na Wikipedia).
O que interessa para cinéfilos como meu irmão e eu não são essas referências óbvias, mas aquelas que NÃO são óbvias e que podem revelar um multiverso inteiro de possibilidades de interpretação que se agrega aos filmes de Tarantino, daí o enigma proposto por Van.
Qualquer dia desses eu postarei aqui sobre as referências feitas por Tarantino em seus filmes e prometo colocar, também nesse post, os resultados das minhas pesquisas pessoais sobre o assunto.
Capítulo IV – Um chá com Tarantino
Van conclui suas elucubrações (gastaram da palavra agora, hein?! rsrs) dizendo que “Tarantino tenta demonstrar quão ridículas são as nossas tentativas de controlar tudo, inclusive nossas próprias vidas”, e que “a balança sempre se equilibra, não necessariamente, no fim”.
Eu creio que, diante de tudo que foi dito acima, Tarantino tenta demonstrar que a Vida é feita de buscas, e que o que importa é a busca em si, e não o chegar a lugar algum. Tarantino demonstra também que somos inteiramente responsáveis por nossas buscas e que a diferença entre eu e o outro que se interpõe no meu caminho é apenas um ponto de vista.
Sendo assim, a balança nunca se equilibra em nenhum momento, pois quando isso acontece a Vida torna-se Morte e finalmente atravessamos o Véu de Ísis para constatarmos que Vida e Morte também são questões de ponto de vista.
Talvez “Café Requentado” não seja um epíteto justo para Tarantino. “Chá Requentado” me parece mais apropriado, pois enquanto o café requentado se torna ruim, o chá requentado é muito melhor do que em sua primeira infusão.
Tomemos um chá com bolinhos com Tarantino, então, no diner de Pulp Fiction recoberto com pedaços de corpos cortados pela espada Hanzo de Beatrix Kiddo e com alguns escalpos gentilmente cedidos por Aldo Reine pendurados no teto. Sobre a mesa, as armas de Jackie Brown próximas à pasta de Mr. Pink e ao barroco e delicioso prato com o apfelstrudel recoberto de chantilly degustado por Hans Landa. Lá fora, vemos o carro de Stuntman Mike e o cavalo de Jango decorando a entrada.
— O que você teria a dizer sobre A Noiva Estava de Preto, de Truffaut? — Pergunto eu a Tarantino.— Nem queira saber...
Eu penso que seria muito digno da parte do Vanberto ao terminar de ler esse texto dizer: é, você tem razão.
ResponderExcluirputaqueopariu que texto bom! Li poucos textos tão bons quanto este sobre o Tarantino. Parabéns! O único mistério que permanece é: como alguém inteligente pode gostar de Lady Gaga?!hahahaha...abraço!
Mas por que razão deveria eu desertar quando encontro um adversário a altura? Não. Isso dignifica a batalha!
ResponderExcluirSomente os fracos perdem tempo divagando sobre o que possivelmente seria a fraqueza do outro e, com isso, deixam de degustar os deliciosos sabores de uma boa batalha. A esses resta apenas assistir aos jogos rs!
Cido, como no episódio do pica-pau "eu o desafio para uma peleja (tapão na cara com luva de malha de metal... chacoalhando caem as ferraduras e o próprio cavalo kkkkkkkkkkkkk)
RESPOSTA AO ANDRÉ:
ResponderExcluirOlá André!
Tudo bom?
Obrigado pelos parabéns.
Muito gentil da sua parte.
"Como alguém inteligente pode gostar de Lady Gaga?" rsrsrs
Bondade sua me chamar de "inteligente", seja lá o que for isso, pois todos nós somos inteligentes de maneiras diferentes.
Sim, eu assumo e reconheço: eu gosto de Lady Gaga. E não paro por aí: gosto também de Ivete Sangalo.
Todos nós temos seus defeitos e fraquezas, o que não nos torna exatamente mais ou menos "inteligentes". Lady Gaga e Ivete Sangalo são dois dos meus muitos defeitos e fraquezas.
Lady Gaga é pós-moderna, e eu me considero pós-moderno a meu modo. Ivete tem uma voz abençoada que me deixa encantado, ainda que ela use essa voz pra cantar axé.
Enfim... é isso.
RESPOSTA AO VANBERTO:
ResponderExcluir[Velho Oeste americano. Areia. Sol escaldante. Musiquinha de fundo de momento de duelo em filme de faroeste. O vento empurra um daqueles emaranhados de urze seca por entre os duelistas. De um lado está Van, um Super Saiyajin; do outro lado está Cido em seu look Darth Vader. Caras e bocas de mal por parte dos dois duelistas. Ao longe vê-se a última nave de seres humanos deixando o planeta.]
- Eu aceito o seu desafio. - Diz Cido, entre dentes. Ele pega a luva de pelica do Pica-Pau, novamente com as 4 ferraduras e o próprio Pé-de-Pano dentro, e dá um tapão em Van. Depois, chacoalhando a luva caem as ferraduras, o Pé-de-Pano e o Zeca-Urubu (!). - Weapon in a choice, - Continua Cido por entre os dentes, agora tomando uma caneca de café com creme e açúcar. - if you wanna stick with your butch knife, that's fine with me.
KKKKKKKKK!
Ah, a parte sobre cientistas sociais está impagável!rs...ri muito! E olha que sou um deles!rs...Realmente Ivete tem uma bela voz, mas com o repertório que canta agrada mais aos olhos que aos ouvidos...rs
ResponderExcluirRESPOSTA AO SEGUNDO POST DO ROCHAANDRE
ResponderExcluirRSRSRSRSRSRS!!!
Ficou legal a parte sobre os cientistas sociais, não é?! Eu AMEI escrevê-la!
Um dia eu tinha que zoar com vocês!
Mas é só brincadeirinha, é claro. AMO todo o povo de Sociais.
Você foi muito, mas muito gentil mesmo ao chamar de "repertório" o que Ivete canta... mas, com certeza, agrada aos olhos e aos ouvidos (a voz dela). rsrs